Náufragos se agarram a qualquer boias, a qualquer destroço que aparece. Só que os militares não são náufragos, principalmente os que estão na reserva, todos de meia idade, não podem perder seu senso crítico e seu espírito estratégico a ponto de se entregar ao primeiro salvador da pátria que aparecer com discurso populista.
Após a grande e incomum movimentação de militares causada pela tramitação do PL1645, que em seguida se transformou na lei 13.954 os militares das Forças Armadas puderam definitivamente perceber o quanto é valioso possuir uma representação política. A opinião da maior parte dos graduados e baixa oficialidade é de que nas Forças Armadas apenas se repete o que já ocorre na sociedade em geral, a cúpula tende a buscar sempre mais privilégios para os seus membros, deixando a conta para ser paga por quem está na base.
O associativismo também retornou, uma espécie de neo-associativismo, pois é no formato de grupos em WhatsApp e Telegram. Há novas associações, algumas com nomes bem pomposos, mas que na verdade “existem” quase que exclusivamente nas redes sociais. Também ressurgiram algumas ideias. Entre as últimas delas está a re-introdução da tentativa de sindicalizar os militares, começando pela reserva e – pasmem – pensionistas. Sobre esse último ponto é que vamos conversar um pouco, adiei isso por algumas semanas para não dar muita visibilidade para alguns que almejavam justamente ser mencionados em portais como o nosso.
Como sempre, só um bate papo informal, um convite a pensar sobre esse tema.
Associativismo e sindicalismo
É obvio que o associativismo é indispensável ao mundo atual. No Brasil, assim como todos os cidadãos, os militares têm pleno direito de se associar. Há muitas associações de militares já reconhecidas, cito aqui a AMIGA como uma das mais influentes. O Clube Militar também é uma associação, com intensa atuação política – ressalto. Mas, quando se muda de associativismo para sindicalismo é preciso muito cuidado, estamos tratando de instituições militares, não de trabalhadores vinculados à CLT, Ministério do Trabalho etc.
A Constituição Federal de 1988 é taxativa quando veda aos militares a possibilidade de se sindicalizar. Todavia, vivemos em um país livre, todos podemos falar sobre tudo e fazer as mais estapafúrdias propostas sem sermos sancionados por isso.
O poder paralelo
É obvio que – entre outros problemas – a sindicalização militar poderia fazer surgir um poder paralelo à cadeia normal de comando, algo extremamente prejudicial para todos.
Surgem questões interessantes, que ouvi por aí: O comando é formado pela cúpula da oficialidade, os generais. Estes ficariam fora do sindicato? Um oficial “sindicalizado” seria expulso do mesmo se fosse promovido a general? Ou o sindicato seria só pra graduados, se um graduado fosse promovido a oficial seria expulso do sindicato?
Falar em sindicato só para militares da reserva é complicado na medida em que luta-se tenazmente para que estes tenham exatamente os mesmos direitos remuneratórios que possuem os da ativa.
Como então seria a coisa, lutar-se-ia por direitos da reserva somente? Mas como, se os direitos são os mesmos? Reserva receberia um reajuste e o pessoal da ativa não? Infere-se, portanto, que a fala por aí propagada de que “seria só para militares da reserva e pensionistas” na verdade é uma tentativa de drible, já que benefícios alcançados pela reserva também alcançariam o pessoal da ativa.
Ou pretende-se desvincular ativa da reserva, acabar de vez com a tal da paridade?
Não adianta citar casos e normas na Europa, África e outros locais longínquos, estamos no Brasil. É fato que no extremo norte da Europa há sindicatos militares. Mas, alguém está propondo abrir um sindicato militar lá na Noruega? Claro que não , portanto o que vale é o que está escrito por aqui.
Militares de outros países têm vários direitos, obviamente amparados por suas próprias legislações, que não nos alcançam.
Alguns países, a Holanda é um exemplo, já que se cita tanto a Europa, tem abertura para que comissões de associações discutam oficialmente no Legislativo, em igualdade de condições com a cúpula das FA, questões remuneratórias e sociais da família militar. Portugal tem uma associação de sargentos bem ativa.
Essa história de usar ONU, OEA e OIT para forçar uma barra tentando convencer que é possível a aprovação de sindicatos militares no Brasil não tem qualquer coerência, nossas leis são soberanas e a CF1988 não se dobra a tratados internacionais. Várias reclamações foram feitas a esses organismos internacionais em passado recente e a única coisa que acontece – e muito raramente – é a emissão de algum pedido de explicações e a corte sempre se contenta com o que é dito pelo Ministério das Relações Exteriores.
Algumas pessoas têm invocado artigos da CF pra dizer que somos obrigados a cumprir acordos internacionais, invocam de forma infantil e superficial a emenda 45 pra falar de sindicato. Abaixo menciono que a associação que demonstrou um pouco de características sindicais logo foi fechada. O Brasil já era signatário de todos os tratados citados pelos “sindicalistas” de WhatsApp.
A maior parte dos países filiados a esses organismos internacionais proíbe a sindicalização militar. Como fica então o raciocínio? Esses organismos não se impõem na Europa, considerada o primeiro mundo, e nos EUA, mas se imporiam por aqui só porque um bacharel em direito e uma associação com cerca de 20 membros assim deseja?
Relembro aqui que a maioria tem citado siglas e supostos tratados de direitos humanos que não se aproximam nem um pouco da questão da sindicalização de militares. A CF de 1988 vetou a sindicalização por conta da especificidade da atividade militar, mas não nega aos militares o acesso a justiça e nem mesmo o associativismo.
Onde está a fundamentação jurídica de toda essa argumentação “peleguista” feita em “LIVES”?
Desde o início da tramitação do PL1645 no ano passado e na verdade por várias vezes quando se percebeu alguma injustiça contra militares vejo gente falando em OEA, ONU e OIT. Me parece – lamentavelmente – um falatório típico de primeiranista de ciências sociais ou de direito e de ativistas de esquerda. Sem qualquer ligação com a realidade.
Onde estão os resultados de tanto falatório?
Onde está a argumentação coerente? Não estamos brincando de advogado ou de sociólogo de esquerda, não se fala aqui de gigantescas e utópicas teses jurídicas. O DIREITO na prática está bem longe desse palavreado metido a bonito.
Não se pode alimentar esperanças vãs em milhares de militares da reserva e pensionistas, alguns bem idosos e muitos com poucos recursos.
Usam muitas armadilhas verbais, com meias verdades e – de forma dissimulada – chamam de burro quem discorda: “… sem união nunca conseguiremos respeito… você é racional, vai entender que o sindicato é necessário.“. Segundo a frase acima, usada por um líder de “associação”, quem não entender/concordar com ele não é inteligente.
O que percebo – mui francamente – é que mais do que uma tentativa de trazer idéias inovadoras e que verdadeiramente possam acrescentar algo de bom à discussão, o que existe é vontade de alcançar expressão política por parte de alguns grupos minoritários.
Grupinhos que fazem o maior alarde em cima de documentos simplesmente protocolados e carimbos de recebido, algo que se consegue em qualquer instituição do governo, como se isso se configurasse como alguma vitória. Já antevemos a chegada por aí de algum post bombástico dizendo: “protocolado o pedido de registro do sindicato militar no Ministério do Trabalho, vitória!”.
Se aparecer um CNPJ então!! Algo que qualquer um que já registrou uma associação ou empresa sabe que se consegue facilmente, a coisa via estourar, como se fosse a maior conquista do planeta.
Não basta um protocolo, não basta um CNPJ, as ferramentas jurídicas que se precisa para sindicalizar uma categoria vão muito além disso.
A técnica de trazer propostas polêmicas usando um discurso espalhafatoso e pseudocientífico é bem antiga, usada por quem tem poucos recursos materiais e intelectuais, mas que deseja alcançar rapidamente alguma visibilidade. Todavia, o maior paradoxo disso tudo é que a coisa – agora esfriada – foi fomentada por um grupo de pessoas que se autoproclamam apoiadores do governo e fieis cumpridores de todas as normas e tradições das Forças Armadas.
CF 1988 – Artigo 142: IV – ao militar são proibidas a sindicalização e a greve
Lembro que no CASO APEB, associação que não se arrogava o direito de ser sindicato militar, Luiz Fux, do STF, concordando com a extinção, colocou: “… contestar atos típicos da Administração Militar, atuação esta com indiscutível viés sindical, e portanto ilícito, que se contrapõe aos pilares da estrutura organizacional militar, balizados na hierarquia e na disciplina.”
É preciso responsabilidade! Não podemos deixar nosso pessoal ser arrastado por guias cegos!
Como observo de perto assuntos relacionados à mobilização desde os anos 90 – todos se lembram do caso APEB – ouso portanto, com todo respeito a quem pensa diferente, opinar aqui, e em meu nome, não em nome de veículos de comunicação onde trabalho.
A APEB nunca se denominou como sindicato e as diversas seccionais foram fechadas por que se aproximaram – pela ótica da justiça – como acima mostro, de se transformar em instituições desse tipo.
É interessante que se fique atento com essas propostas de sindicalização militar. Estranho que surjam logo às vésperas de uma mobilização completamente legal, como a que está acontecendo e que já incomoda o governo por suas “pré-ações” coordenadas nas redes sociais.
Militares na reserva não são aposentados, estão sujeitos às mesmas regras que os da ativa, exceto quanto à liberdade de expressão e – portanto – também não podem se sindicalizar. Quanto às pensionistas não seria um sindicato, seria uma associação.
Pelo que se sabe já existem algumas, que podem representar seus associados legalmente. Por que motivo não estão sendo valorizadas?
A força de um sindicato está exatamente e quase que exclusivamente nisso, na possibilidade de causar prejuízo à classe patronal.
Os sindicatos têm como principais armas contra a classe patronal a greve e as chamadas operação padrão e isso por si só inutiliza essa proposta no que diz respeito a militares. A força de um sindicato está exatamente e quase que exclusivamente nisso, na possibilidade de causar prejuízo à classe patronal. Sem o poder de organizar a classe trabalhadora no que diz respeito a esse tipo de ação, um sindicato não passaria de mais uma associação.
Muitos sindicatos tem sido acusados de enriquecimento dos chamados pelegos e justamente nesse momento em que se luta pela diminuição do seu alcance e pelo fim da sindicalização compulsória soa meio estranho que se ressuscite essa história logo entre militares.
Os próprios funcionários públicos só foram admitidos depois de muito tempo na possibilidade sindical.
Essa conversa seria uma armadilha bem arquitetada ou incoerência mesmo?
É bom deixar bem claro quem é quem e o que cada um propõe.
Não me intimido com esse recado de se não gosta não opine. Considero os graduados o meu povo, gente do meu sangue, não sou de nenhuma associação e respeito – obviamente – visões diferentes, mas sempre vou opinar quando acreditar que há manipulação, erro ou inocência.
Um grande abraço pra todos, incluindo os que discordam de mim, a discussão sadia e educada sempre é bem vinda.
Att, Robson Augusto