“Ave César, os que vão morrer te saúdam.”
(A Vida dos Césares, Suetônio)
Há sete dias um dos maiores jornais do país noticiou: “Forças Armadas farão apuração paralela em tempo real com 385 urnas”. Algumas horas depois, o TSE desmentiu a notícia falsa. Aguardamos sentados que o editor do jornal fosse arrolado em alguma inquisição judiciária por espalhar “fake news”, mas obviamente nada aconteceu. Esquecemos que alguns inquéritos no Brasil são como flechas de cupido, têm endereço certo e sabido. Opiniões deste e daquele lado, contra e a favor (sim, muitos cidadãos plenamente capazes – segundo a lei – chegaram a aprovar a fantasiosa apuração!) nos inspiraram a “ir a campo” para uma singela pesquisa. O resultado, conquanto nada surpreendente, foi sintomático e revelador.
Em um universo bastante restrito, formado por militares de média hierarquia (subtenentes e sargentos das três Forças) que bem se poderia chamar de um “quartel virtual”, publicamos uma enquete simples com quatro respostas e a seguinte pergunta: “o que você acha de as Forças Armadas fazerem a ‘apuração paralela’ das eleições de 2022?” O leitor leigo diria que a pesquisa é enviesada, já que os militares naturalmente se acham os moderadores de tudo, desde a democracia brasileira até a órbita dos planetas extrassistêmicos. As duas respostas que foram mais escolhidas foram “acho bom, já que os militares são de confiança” (com 71%) e “acho ridículo, já que isso não compete aos militares” (com 17%). Em sete dias, num universo de 800 pessoas, 500 viram a pesquisa e 210 votaram.
A análise estatística em si não nos importa tanto quanto a manifestação da trava psicológica que a vida militar cria na percepção sociopolítica de muitos militares. É preciso que o leitor desavisado saiba que o governo atual (praticamente uma regência militar anacrônica), fruto da vergonhosa politização das Forças Armadas, endossada por suas cúpulas hierárquicas, deixou claro que para dezenas de milhares de militares da reserva o tratamento que merecem é a exclusão social pura e simples. Esse foi aproximadamente o número de militares inativos que foram prejudicados pela reestruturação da carreira feita por Bolsonaro. É preciso também que o leitor saiba que quando se diz na imprensa “militares”, diz-se “generais”, pois são eles que decidem, foram eles que inventaram o governo, foram eles que aumentaram imoralmente o próprio salário, foram eles que deixaram milhares de inativos de fora do que legalmente deveria, por princípio de hierarquia, estender-se a todos sem distinção.
Os militares que compõem essa pequena bolha virtual, homens que foram descartados pelo governo com aval de seus próprios comandantes, demonstram que nenhuma lição tiraram do que lhes aconteceu em 2019. O que se pode extrair desse rápido mergulho nesse específico microuniverso é que não importa o quanto os líderes máximos da hierarquia militar tripudiem com a base, ela sempre lhes será subserviente. A subordinação legal e razoável vivida durante o serviço ativo embotou a percepção dessas pessoas, transmutando-a em submissão velada, impedindo-lhes de discernir entre interesse e justiça.
Não conseguem enxergar que a veneração cega que devotam aos que os traíram (a ponto de confiarem a apuração eleitoral aos generais que lhes passaram a perna há menos de três anos!), longe de dignificar a classe como um todo, ao contrário, promove o aviltamento da base hierárquica que compõem, base esta que, mesmo tendo sentido a segregação na carne, ainda não conseguiu perceber que foi rebaixada a uma mera massa de manobra política como qualquer outra categoria profissional. Dão-se ao luxo de ser ingênuos, ignorando que a ingenuidade é a luxúria dos tolos.
JB Reis
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