“Não quero ver gente maluca! ‒ Você não pode evitar, tudo aqui é maluco!..”
Alice no país das maravilhas, filme de Walt Disney
Os que não se iludem com o circo equestre protagonizado pelo Presidente da República e seus devotos, principalmente nos últimos dias, já desconfiam que Jair Bolsonaro não é a cura para a doença, mas que talvez seja a melhora insuspeita antes da morte derradeira. Filho bastardo do centrão fisiológico, eleito e reeleito sucessivamente pelos militares de baixa patente (a tropa desprezada que sobreviveu de bazófias por 30 anos e foi descartada por ele feito coturno velho), Bolsonaro nada mais é do que um anti-Messias, um Lula de sinal trocado. Este, o pai da mentira; aquele, o mestre do deboche. Sua última travessura estabelece um antes e um depois nesse drama suicida em que envolveu as Forças Armadas e seus militares. Não vamos fazer aqui análise política nem psicológica. Há muitas e muito melhores por aí. Vamos tentar pintar o quadro de outro ponto de vista. Do ponto de vista do fenômeno humano, se possível…
Traumatizado pelo desterro involuntário, pela carnificina da desindianização do território, flagelado pelo horror da escravidão negra, os brasileiros foram se tornando lentamente peças maleáveis no jogo pelo poder político. Superados os traumas básicos de formação, o mais recente ‒ que deixou cicatrizes profundas na alma coletiva ‒ foi o latrocínio bilionário praticado por uma quadrilha organizada de figuras públicas bem conhecidas. A troco de ninharias socialistas e enganado por uma competentíssima e monstruosa máquina midiática, o Brasil foi sangrado por quase quinze anos consecutivos. Vendo seus anseios mais legitimamente populares sendo negligenciados, e mesmo ignorados, por seus representantes, tornou-se descrente da política como meio de mudança da realidade.
Das cinzas dessas mesmas instituições políticas corroídas, erguendo uma bandeira tímida, porém representativa das pautas do brasileiro médio, brotou essa flor tresloucada chamada de “bolsonarismo”. Inicialmente um rótulo exagerado, hoje parece assumir contornos de religião política. Muitos se deixaram encantar pelo populismo chão e pela litania fácil de suposta isenção e honestidade que o Sacerdote Mor (então candidato à Presidência da República) dessa protosseita esforçava-se por demonstrar.
Embalados por uma cantilena amorfa, de bordões genéricos como “cidadão de bem”, “pátria amada”, “Brasil acima de tudo”, entremeados por uma mistura inflamável de elementos religiosos e políticos, os apoiadores do Presidente inevitavelmente nos trazem à lembrança as hordas adoradoras de ditadores que salpicaram a História. Não cairemos na tentação fácil de compará-lo com um ou outro populista do passado. Ele não merece. O que tentamos mostrar é quão manhoso pode ser o destino desse povo, que o tira do torno da roubalheira e o entrega, ainda frágil e entontecido, nos braços de um Dâmocles, que tendo achado na rua um bilhete premiado, desfila com ares de escolhido.
Afoitos por alguém que os resgatasse da vergonha de anos de dilapidação e desmoralização, atiraram-se aos braços de seu salvador. Cegos aos seus erros, assim como apenas têm olhos para os defeitos de seus antípodas partidários, os bolsonaristas (o que quer que isso seja, afinal!) apaixonados, enamorados, não veem que o seu “Mito” não passa disso, um mito.
Os “bolsomínions” não conseguem enxergar que seguem um fraudulento Dom Quixote combatedor de moinhos de vento. A fabulosa peleja contra o Comunismo pregada por Bolsonaro é o ópio desses crentes. Deliram seus acólitos à simples menção da ideologia moribunda. O mais recente fantasma contra o qual se debatem é o voto auditável, que mesmo sendo demanda democrática legítima e até desejável por muitos, é impossível de se pôr em prática para o ano que vem (por razões burocráticas que convenceriam qualquer pessoa sensata ‒ mas não um bolsonarista). A cruzada pela sagrada urna salvadora tornou-se o Graal dos bolsolóides. Segundo eles, “sem ela não haverá eleições em 2022!” Desconfiamos até que o próprio véu da realidade se desfaça, caso ela (a urna “santa”) não seja autorizada.
Como neandertais anacrônicos em louvor constante ao seu Napoleãozinho, batem no peito e exaltam sua honestidade, esquecendo, ou mais convenientemente ignorando, que, há menos de uma semana, ele aumentou o próprio salário em plena crise econômica. A histeria, isto é, o ímpeto de querer que o mundo se molde ao próprio desejo desvairado, impede-os de enxergar nessa canetada, guardadas as devidas proporções, uma imoralidade, que no contexto da mortandade causada pela peste chinesa, tem ares de corrupção tácita. Essa mesma histeria os impede de ver que os milhares de brasileiros que morreram recentemente por causa da pandemia talvez merecessem um minuto de silêncio e não aglomerações em torno de quem despreza a dor de famílias inteiras, como um adolescente malcriado desprovido de sentimentos.
Muitos governantes que mais tarde se revelaram ditadores realizavam seus “expurgos”. Bolsonaro ao longo desses dois anos também se desfez de seus apoiadores primitivos, aqueles que lhe eram mais próximos. Dessas traições, a mais escabrosa foi exatamente contra uma de suas colunas de sustentação: os militares. Em 2019, o Governo, sob pretexto de reestruturar a carreira, causou prejuízos financeiros e morais aos militares de baixa patente em troca de aumento camuflado aos oficiais do topo. Indignados, centenas de praças veteranos se manifestaram publicamente contra a Lei 13.954/19. Imediatamente os comandos militares soltaram notas contundentes sobre a proibição de tais atos.
Pois eis que, no último domingo, o nosso Reizinho (republicano, quando lhe convém) alçou um voo mais alto. Talvez querendo demonstrar aos seus fãs que não é somente o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, mas o dono delas, resolveu rasgar os seculares regulamentos da caserna e exibiu o seu general da ativa (a quem chama de “gordinho”!) como um troféu comprado na esquina. Haverá notas retumbantes!? Avisos raivosos sobre indisciplina!? Ainda não sabemos a resposta, mas é bom lembrar que tudo sob o céu tem um preço, e o dos generais foi dado pela Portaria nº SGP/SEDGG/ME nº 4.975, de 29 de abril de 2021, do Ministério da Economia, que lhes aumentou o salário (pela segunda vez, em dois anos, é bom não esquecer) para algo em torno de R$ 50.000. Se seguirem o memorável general getulista Goes Monteiro, que pregava a doutrina do Exército como o “grande mudo” ‒ em resumo, jamais se posicionar sobre política ‒ o incidente cairá no esquecimento. Até porque atualmente as FA estão mais silentes do que nunca, já que seus generais foram calados pela mais eloquente das mordaças, o dinheiro do pagador de impostos.
JB Reis / Publicado no Portal Militar
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