Um retrospecto doloroso, mas necessário
“Fiquei magoado, não por me teres mentido, mas por não poder voltar a acreditar-te.”
Próximo de completar dois anos de vida, a reestruturação da carreira e da previdência dos militares federais segue firme em seu propósito de prejudicar os veteranos da base. Como um democídio calculado, a nova lei não só foi uma proclamação estatal mal feita, ela trouxe embutida uma visão de mundo eminentemente elitista, classista, mas principalmente ela foi uma vingança. Resultado de um cruzamento torpe entre um político inexpressivo e um clube restrito de generais indisciplinados e gananciosos, a Lei nº 13.954/19 começa a ser descolada de seus criadores. É preciso refrescar a memória dos que estão tentando normalizar a traição e botar culpa em tudo, menos no verdadeiro culpado.
Em 2016, a comissão da verdade de Dilma Roussef irritou desmedidamente a alta cúpula das Forças Armadas. A partir daquele momento, alguns luminares da caserna – que hoje são nababos engravatados do atual desgoverno – iniciaram de maneira coordenada microataques ao desgoverno da época, ao mesmo tempo em que rascunhavam o futuro PL 1.645 e assediavam um certo deputado, que com as raposas fardadas só tinha em comum o passado de paraquedista militar. Graças à ressaca lulista e muita, mas muita maquiagem à base de óleo de peroba, o improvável Dâmocles se tornou presidente da República. O primeiro “set” da partida fora vencido. O segundo, que pagaria o “investimento” da pequena tropa estrelada, foi tirado da gaveta e se tornou em 2019 a nova lei previdenciária militar, conhecida como Lei nº 13.954.
Por vinte e oito anos o deputado, hoje presidente, fez sua carreira política medíocre equilibrando-se na miséria conveniente de soldados e sargentos. Em quase três décadas nunca propôs melhorias para a classe. No império, na república, e até mesmo na ditadura os militares sempre foram mal pagos, e naturalmente a classe como um todo esperava que a nova lei reequilibrasse o jogo. Mas os pobres militares não contavam com a astúcia e com o elitismo dos generais. O PL 1.645 nunca se tratou de reequilíbrio ou de justiça financeira. O projeto não passava de um ataque planejado para empulhar o povo brasileiro e amealhar via congresso a isonomia salarial tão sonhada por eles.
Mas os generais também não contavam que as categorias de base do militarismo, suboficiais e sargentos da reserva, estariam vigilantes durante a tramitação do PL. Resultado dessa vigilância foi que os generais perderam os dez por cento de uma absurda gratificação de representação que seria paga única e exclusivamente para eles. Graças aos veteranos, que vigiaram de perto as ações dos parlamentares, o Ministério da Defesa foi praticamente coagido a criar o curso de altos estudos (até então, exclusivo de oficiais) para graduados da ativa. Errado? Não. Correto? Também não. Apenas vingança. Na prática, o curso criado a toque de caixa beneficiou apenas o pessoal da ativa, não porque o MD quisesse beneficiar o seu próprio pessoal, mas simplesmente para retaliar todo o pessoal da reserva. Os veteranos de hoje ganharam para que os veteranos de ontem perdessem. Graças ainda aos graduados, a lei passou no Senado sob promessa de uma revisão futura. A promessa já está perto de completar dois anos.
Circula uma historieta romântica de que o ingênuo presidente teria sido enganado pelos malvados generais e que não sabia que os veteranos, seus mais antigos eleitores, seriam prejudicados por uma lei que ele mesmo assinou. Contrariando essa narrativa, os fatos indicam que, sim, ele sabia dos prejuízos, já que lhe foi entregue em mãos por um vereador militar um documento com todos os problemas decorrentes da promulgação da lei. A lógica seguida até aqui forçosamente indica que ele também se sentiu ameaçado pela vigilância dos praças, que em última análise poderia ter sabotado a segunda parte do plano, isto é, recompensar os que o tiraram das sombras do Congresso para os holofotes do Alvorada. Não há engano. Ele compartilha do mesmo sentimento dos oficiais, não porque tenha sido um deles, mas simplesmente porque os veteranos, ousando questionar a lisura da lei, estiveram bem próximos de frustrar o seu plano pessoal de poder. Segundo esse sentimento, nem ele nem os militares da cúpula alimentam o mínimo desejo de mudar a lei.
Aos que vivem de nutrir teorias fantasiosas sobre mitos presidenciais, unicórnios comunistas e o tosco lema “ruim com ele, pior sem ele”, esta recapitulação é necessária. A esses que ‒ contrariando todo sentimento de camaradagem honrada e sanidade mental que costumavam ser essenciais aos bons militares ‒ insistem em distorcer um passado tão recente e que deixou a marca profunda da traição em todos os veteranos, vai um aviso: este presidente vai passar, promessas de cargos também, todo o castelo de cartas fundados na mentira ruirá. Restará apenas uma situação financeira pior do que já existia para os militares da base e a lembrança dos que, igualmente traídos, trabalharam para perpetuar a traição ao desacreditar os fatos e de maneira abjeta igualaram-se ao único culpado.
JB Reis
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