“A atual reestruturação “fake” foi empurrada no Congresso como maneira de inflar os salários dos generais, mas essa “inflação” não puxou a tropa, como seria de se esperar. Quando a onda chegou na baixa canalha, invocou-se o abracadabra do Paulo Guedes, a “meritocracia”, e os generais donos da verdade eterna decidiram que todos os suboficiais que foram para a reserva entre 2001 e 2019 eram deficientes mentais ou preguiçosos patológicos e “não quiseram realizar os cursos de aprimoramento”. Tais cursos, que só existiam na mente dos generais, significariam um aumento de salário de quase dois mil reais. Ou seja, fui punido retroativamente por inação, quando nem o objeto da inação existia!”
“Ao jovem, que numa praia deserta encontrar esta mensagem, se você pensa em seguir carreira militar, pense bem. Pense muito. Aqui não há regras, e, se houver, elas mudam no decorrer do jogo, sem aviso prévio. Não há justiça igualitária. Mas há, sim, privilégios de “casta”. Se você escolher errado, estará condenado para sempre a ser um pária. Terá uma vida incerta. O que vale hoje talvez não valha amanhã. Talvez não exista daqui a trinta (e cinco) anos.”
“Vemos que o discurso obviamente não coaduna com a prática. O esforço de guerra que o Presidente e seus generalíssimos asseclas empregaram para entubar no Congresso via traqueostomia legislativa a Lei n°13.954/19 diz muito sobre os anelos presidenciais por “união, paz e entendimento”. Bolsonaro, nunca é demais repetir, para os militares que o apoiaram por trinta anos, reencenou à perfeição o papel de Joaquim Silvério dos Reis, o coronel que traiu Tiradentes. Com sua famigerada caneta Bic, ao assinar a Lei do Mal, pela primeira vez na história militar brasileira, desuniu militares da ativa e da reserva ao extinguir a paridade secular; instaurou um inédito sentimento de hostilidade entre militares fanáticos que, mesmo tendo sido financeiramente lesados, insistem em apoiá-lo, e os outros que conseguem ver o óbvio; foi, para as pensionistas, a Besta do Apocalipse, já que aprovou sem vetos a lei que as sobretaxou, reduzindo drasticamente suas pensões, pelas quais seus parentes falecidos já pagaram em vida; fragmentou virtualmente a unidade das FA, uma vez que alçando os generais ao teto salarial do funcionalismo público, sem linearidade com a tropa, insinuou que apenas alguns oficiais importam para as Forças; finalmente, mas não menos vergonhoso e coroando o périplo pacificador do “Mito”, debochou publicamente das Forças Armadas, declarando que elas deveriam ir para o INSS.”
“JB — Vêm de todas as classes, todos os meios e incorporam a nós, são o sentimento de toda a nação brasileira”, declarou. Bolsonaro disse ainda que o Brasil tem um presidente da República, o Estado Maior e ministros que acreditam em Deus e respeitam seus militares. “Fato raro nas últimas 3 décadas em nosso país”.
R — Isso também é mérito exclusivo das FA e dos brasileiros e brasileiras que as compõem. Não é fruto de nenhuma política visionária, sobre a qual se possa fazer plataforma eleitoreira. Realmente, não sabemos o que Deus está fazendo nessa frase, mas é sempre bom citar Livio Fanzaga, em seu livro Wrath of God, “Tome muito cuidado quando autoridades políticas começarem a louvar o cristianismo e a falar bem dele”. Não duvidamos que alguns ministros realmente respeitem os militares, mas a manifestação desse respeito destoa deveras do suposto sentimento, já que a lei de reestruturação da carreira militar marcou a ferro e fogo nos corações e almas de veteranos (principalmente suboficiais e sargentos) e pensionistas exatamente o oposto disso. Deixados para trás, tratados como sucatas humanas, foram até alcunhados por elementos do governo de “reflexos no retrovisor” para os quais não se deveria olhar.”
“Os oficiais têm sua carreira e promoções reguladas por lei, manifestação legítima da vontade popular. Já os praças têm sua vida na caserna regulada por portarias, paridas pela administração intramuros, dadas à luz por generais, almirantes e brigadeiros. Ora, isso não parece grego aos que sabem ler o caráter dos homens… Esse mundinho paralelo em que velhos burocratas de coturno escolhem ao bel prazer, de maneira randômica, quem merece quem não merece, quem ganha quem não ganha, é o que sobrou do espírito da chibata. A FAB, feudo azul das águias arrogantes, está seguindo as pegadas da MB. Inibida pelo zeitgeist (o espírito do tempo), à impossibilidade de ressuscitar o “flagrum” ancestral, manipula números, escamoteia dados, distorce a realidade, e a poder de caneta, o novo látego, detém carreiras, paralisa sonhos, trava a pujança própria da Força. Não veem os obtusos senhores alados que privando os homens de justiça, que não é mérito, mas direito, apontam-lhes o caminho da saída.”
“Quantos veteranos elegeram Bolsonaro ou Hélio Lopes? Um milhão? Cem mil? No mínimo mais de dez mil. Imaginemos dez mil tuítes diariamente seguindo e cobrando os políticos… Ficaríamos sempre nos trending topics do Twitter! Nenhum profissional é tão amante da organização como o militar. Apesar das distâncias, podemos nos orientar e reorientar rapidamente. A traição só foi possível porque feita atrás de portas fechadas. Nós não temos o “privilégio” das sombras. Devemos lutar à luz da verdade. O campo de batalha está aberto. As armas estão à disposição. Só faltam os soldados se apresentarem. Seremos capazes?
“Eis aí a traição maior. Traiu-se não um ou outro militar de baixa patente. Traiu-se todo um princípio norteador do militarismo, a lealdade. “A obrigação de tratar o subordinado dignamente”, mecanismo legal paternalista segundo o qual o subordinado delega (talvez inconscientemente, mas certamente à força de doutrinação) ao superior a condução dos atos que lhe afetam a própria vida foi violado, sofreu abuso. Aqui a hierarquia serviu-se da disciplina para aviltar a lealdade e com isso falsear toda a realidade. Eis aqui o abuso de poder. Os generais traíram a tropa simplesmente porque detêm o monopólio da disciplina.”
(A traição, os traidores e o Twitter)
“O governo do ex-capitão naufraga, e, como bom capitão que não é (se tivesse sido, hoje não existiria um Presidente Bolsonaro), parece dar mostras de que finalmente está conseguindo se vingar da Família Militar, que afrontou em 1987, fingiu defender por trinta anos e terminou de enterrar com a Lei nº13.954/19.”
“O exército, formado à base de imposição governamental e de escravos em troca de alforria, reuniu o que de pior havia no populacho do século XIX. Conquanto tal recrutamento se desse na nascente classe média, a estratificação social prosseguiu no militarismo e não possibilitou a ascensão dos pobres. O drama brasileiro da “casa grande e senzala” foi replicado na caserna. Dessa classe média até os dias atuais surgem jovens oficiais e praças. Aqueles poucos que serão comandantes e os outros muitos que serão eternos comandados distanciam-se ainda mais nos quartéis. Oficiais de um lado, praças de outro. Reflexos tardios desse choque social, a reestruturação empulhada em 2019, a torpeza dos generais políticos e a alta traição do Comandante Supremo apontam um único futuro possível aos militares, as urnas.
“Além de belicamente sucateadas, as FFAA também se esmeram em pagar mal os seus militares, principalmente os praças. Contrariando toda lógica federalista, o que deixa entrever um plano insidioso de se sufocar lentamente as FFAA, as forças auxiliares oferecem a nata dos salários dos profissionais de segurança. As comparações são inevitáveis. Muitos dizem que os PM são mais unidos, menos subservientes, o que lhes teria proporcionado mais eficiente representatividade política. Mas a comparação é estrábica. Foi exatamente o oposto. A representatividade existe hoje porque as polícias estaduais romperam com a hierarquia e a disciplina. À custa de greve, revolta, e até sangue derramado, muitos praças foram eleitos. Deu-se visibilidade à causa dos policiais e os que alegaram estar dispostos a representar a classe ganharam o voto de confiança. As FFAA são nacionais. Articulações grevistas seriam impensáveis. Com representatividade sociopolítica nula, sem “moeda de troca” na jogatina política, trinta anos voaram até que Jair Bolsonaro subiu a rampa presidencial nos ombros de generais, almirantes e brigadeiros. O “mito” seria por nós…”
“A relação entre Bolsonaro e os veteranos das FFAA lembra muito a fábula do sapo e do escorpião. O sapo, ingênuo, moleirão e desprovido de astúcia, aceita levar o escorpião à outra margem do rio e obviamente (essa manobra surpreende apenas o sapo!) leva uma picada mortal. A natureza do escorpião justifica o fim do sapo. Por 28 anos levamos nosso escorpião até Brasília e agora pagamos por isso.”
“O Governo que aí está, elegeu-se mais por rejeição do modelo anterior do que propriamente por consciente aclamação popular. Bolsonaro “pegou o bonde andando”, um “bonde” sem motorista, ladeira abaixo e já sem freios. Ex-presidentes impechados, condenados, o presidente em exercício, Temer, processado, a classe política em peso atolada em escândalos de corrupção. À sombra da lembrança saudosa dos que não viveram a ditadura militar, o ex-capitão se projetou como o salvador da Pátria, venceu uma eleição apertada, como um azarão fruto do desespero de um povo iludido, mas não convenceu.”
“Mas militar não é sinônimo de conservador. Há militares revolucionários que não admitem isso, e parecem não gostar de ser chamados assim – (talvez temendo enquadramentos legais, chamam-se a si mesmos de “esquerdistas”; um eufemismo, claro…). Parecem velhas carolas flagradas cometendo algum pecado. Nunca saberemos se esses revolucionários votaram contra Bolsonaro em 2018.
“Do outro lado desta corda esticada, mas bem curtinha, estão os bolsonaristas. O “exército” do Mito, que mesmo tendo sido usado como massa de manobra para levar Bolsonaro à Presidência (como todos os militares), regozijam-se em proteger incansavelmente o “nosso Presidente”. Fanatizados, resistem às investidas de antigos amigos da caserna, que demonstram por A mais B que foram tapeados pelo Governo, que estão sendo sangrados mês a mês pela nova previdência, que foram traídos pelos Comandantes para que estes tivessem um aumento salarial destacado da tropa. Mas nada os acorda da hipnose, ninguém consegue desfazer o feitiço que Bolsonaro lhes lançou. Contra argumentos matemáticos? “Bolsonaro vai nos salvar do comunismo”. Contra as trapalhadas semanais do Governo? “Confio no Bolsonaro!”. Contra as promessas de campanha, que estão indo, uma a uma para o ralo? “Deixa o Mito trabalhar!”.”
“A desestruturação da classe militar (iniciada em 2019) foi salpicada de episódios grotescos, mas, sem sombra de dúvida, o caso do relator do PL 1.645, deputado Vinícius de Carvalho, entrará para os anais (não oficiais, é claro) da história militar como o mais bizarro. A partir do momento em que ele disse, entre vaidoso e catedrático, num assomo de sacrossanta seriedade, que foi “escolhido pelas três Forças Armadas para ser o relator” do PL – admitindo publicamente que atuaria como “longa manus” dos generais de Bolsonaro -, o deputado jogou a pá de cal sobre 82% dos militares (os praças), que não seriam tratados com justiça, mas agraciados com o desprezo. Contra uma aliança entre um político, do qual se esperou, em vão, imparcialidade, e generais sedentos por autossatisfação, o princípio constitucional da independência entre os poderes foi o primeiro a morrer.”
“Em notícia publicada pela RSM¹, para arrancar o queixo de qualquer soldado, ficamos sabendo que Bolsonaro autorizou por meio de Portaria – com uma portaria dessas, o Presidente da República poderia restaurar a moralidade perdida pela Lei do mal – que generais em cargos comissionados recebam salário acima do “teto” constitucional. Isto é, os amigos do Mito-Rei, receberão pelo menos mais de R$40.000 por mês. Até 2018, Jair Bolsonaro se gabava de que “poderia ser chamado de tudo, menos de corrupto, porra!” (sic). Mas, talvez ele não saiba, ou finja não saber, que toda corrupção começa com desmoralização, e que, quando envolve os militares, ela ultrapassa limites que não deveriam ser desrespeitados.
“Em 2021, centenas de milhares de brasileiros foram vitimados pela pandemia do vírus chinês. Todas as vidas importam, e não há uma dor maior do que a outra. Mas quanto maior é o raio de influência de uma pessoa, mais aquela morte é sentida. O Senador Major Olímpio infelizmente foi uma dessas vítimas. É óbvio que para além do círculo familiar, sua morte comoveu milhares de seus eleitores e admiradores. É pertinente trazer à memória um de seus últimos discursos, feito em 1º de fevereiro deste ano. Nele, o falecido Oficial diz, com todas as letras e liberdades que são permitidas a um senador da República que, “em 4 de dezembro de 2019, por ocasião da aprovação da malha de proteção social dos militares, ministros-generais mentiram para os congressistas. Nunca pensei ver na vida um general mentiroso” (sic). Indignado, arrematou “praças e pensionistas das Forças Armadas [foram] abandonados.”
“Mais do que palavrório rebuscado, esse texto é uma constatação fria e pretende ser uma advertência de pista quente. A eleição decisiva para os militares traídos por Jair Bolsonaro e seus generais gananciosos será em 2022. A caserna franqueou seus portões à corrida eleitoral. Entre sargentos e generais candidatos, pululam novas caras, vendendo as mesmas velhas promessas. Nunca houve tantos militares concorrendo a cargos políticos e nunca fomos tão aviltantemente enganados. O sangue ainda escorre pelas costas, e não podemos nos dar ao luxo de ser esfaqueados de novo. Os candidatos militares deverão passar pelo crivo da história. Os que entraram na cova dos leões em 2019 e os enfrentaram de mãos nuas terão a preferência. Um trabalho de Hércules nos aguarda. A verdadeira família militar, aquela dos almirantes negros, espera ansiosamente por isso.”
(“Uma Grande família, mas nem tanto!”)
“Toda essa ladainha é por dinheiro? Também. Mas ao mesmo tempo por justiça e tratamento igualitário, bases do regime democrático que as Forças Armadas (dizem que) juram defender. Por mais que formalmente a Lei militar não preveja o instituto do “rebaixamento”, existe, sim, o rebaixamento moral e psicológico. E isso está acontecendo agora, e é fruto (da trapalhada ou maldade) do governo Bolsonaro. O arquipélago lacuna é a materialização de um ato administrativo torpe, fruto de mentes degeneradas, que laboraram ao arrepio da honra militar; essa materialização se deu por um fato não só administrativo, mas social e moral, na medida em que criou uma situação palpável e concreta de uma despromoção salarial refletida num rebaixamento moral e psicológico incompreensível para quem não está preso no arquipélago – fato que para algumas autoridades militares não passa de um “falso sentimento”… um pieguismo de alguns veteranos, provavelmente comunistas, sem dúvida…”
“Lamentamos. Não é só pelo dinheiro. Seria menos doloroso se fosse. É também pela total desfaçatez desse governo recheado de hipocrisia fardada, pela falta de amor próprio de muitos veteranos e, mais revoltante ainda, pela falta de amor à verdade e à justiça das leis militares. Acusamos os bolsonaristas da lacuna, porque eles denigrem, mancham, emporcalham toda a família militar e os que são dignos de se chamarem soldados.
“Aviltam-se por promessas quiméricas que estão se desfazendo diante da realidade, como o vampiro que se pulveriza à luz do sol. E fazendo isso, defendendo com unhas e dentes o próprio sequestrador, jogam na lama da história toda uma categoria de militares inteligentes e honrados, que perseveram para que a justiça seja restaurada para todos, inclusive para os sequestrados.”
JB Reis
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