O Xeque-mate do peão
A força política oculta na “lacuna”
Os militares da reserva das FA, obviamente falamos da suboficialidade, protagonizam atualmente um bizarro caso de síndrome de Estocolmo¹. Mesmerizados por trinta anos pelo chefão da família Bolsonaro, um verdadeiro exército de subtenentes e sargentos, que juraram defender a Nação, agora fazem de tudo para defender o… “Mito”. Nem a promulgação da Lei nº 13.954/2019 (a lei dos “quarenta generais”), que foi a materialização da rasteira dada pelos “altos coturnos” em veteranos e pensionistas, está sendo capaz de descangar esse povo. Com as pensionistas, aproximadamente mais de meio milhão compõem essa armada da reserva, um número considerável na guerra democrática que se avizinha em novembro deste ano, e também para 2022. Mas é preciso quebrar o encanto, ou melhor, o feitiço lançado por Bolsonaro.
Por três décadas, Bolsonaro surfou na onda do “salário digno para as FA”. Seus filhotes também se mostraram surfistas habilidosos. Toda a família chegou aonde chegou graças às categorias de base dos quartéis, principalmente os sargentos que, capturados pela arenga moloide do parlamentar profissional, em 2018 não tiveram dúvidas: Bolsonaro Presidente! Fim de 2020, já conhecemos a história. Uma lei aprovada às pressas por políticos amedalhados por generais politiqueiros, por meio de uma torpe “matemágica”, confiscará de militares e pensionistas em 10 anos R$ 96 bilhões. Dessa cifra, 22% (R$ 19 bi) serão destinados ao pagamento de subtenentes, sargentos, cabos e soldados (que representam 82% da tropa); os restantes 78% (R$ 67 bi) pagarão os oficiais (que representam 18% da tropa). Inversão de valores mais socialista impossível! Se os nossos nobres veteranos sequestrados pelo charme neandertal de Bolsonaro ao menos dominassem a aritmética básica, a farsa acabaria no ato! Eles desconhecem a força política que jaz oculta nas fileiras que deveriam compor, se não estivessem enamorados do discurso populista e fácil do ex-capitão, que galvanizou-lhes corações e mentes, com o mais tosco caudilhismo desde Lula, o brasileiro mais honesto aqui em Banânia.
Quem joga xadrez sabe que qualquer peça, por menos valiosa que seja, pode se tornar uma peça poderosa e terminar um jogo quase perdido. Um humilde peão pode se converter em arma definitiva para o xeque-mate, e então acabar o jogo. No tabuleiro político que está sendo montado, já se ensaiam movimentos de repúdio ao nome Bolsonaro. Principalmente no Rio de Janeiro, berço do nosso ingrato capitão, há campanhas na infosfera contra qualquer um que lembre seu nome. É bastante provável que um de seus filhos, que é vereador naquela cidade outrora maravilhosa, seja a primeira vítima do “exército” da reserva, composto especialmente por militares da lacuna 2001-2019 e pensionistas.
Quanto ao páreo de 2022, em matéria publicada² há alguns dias, nas pesquisas para o segundo turno, Bolsonaro é o favorito na maior parte dos cenários. Ele tem 43% das intenções de voto caso o oponente seja Haddad (35%), 42% caso o adversário seja Luciano Huck (28%), 43% contra Ciro Gomes (35%) e 42% se o oponente for Luiz Henrique Mandetta (30%). Apenas em uma disputa com Sergio Moro o atual Presidente aparece pior: com 35% das intenções contra 36% do ex-ministro da Justiça, um empate dentro da margem de erro. Como ainda restam dois anos de mandato, talvez o tempo e a inabilidade do Governo aumentem um pouco essa pequena diferença.
As manifestações do exército de “pijama” (mas bem desperto, obrigado!) agendadas para a próxima semana em Brasília, podem ser um balão de ensaio para 2022. Se 30 dos nossos combatentes causaram um rebuliço considerável em setembro no CIAA³, sem dúvida podemos esperar algo mais difícil de se ignorar para os dias 20, 21 e 22 de outubro. Se o erro crasso de 1963 não tivesse sido cometido – a tola revolução pelas armas – algo semelhante poderia ter acontecido no passado. Hoje temos uma conjuntura diversa, com praticamente os mesmos jogadores e demandas semelhantes.
Porém, o que muda aqui é que este contingente poderia ser muito maior do que é. Os que ainda estão em Estocolmo deveriam sair da modorra mental em que se encontram desde 1988, e “entrar em forma” o mais rápido possível. Uma gota pode ser pequena, mas pode ser suficiente para transbordar uma represa. Um simples peão pode, dando um xeque no rei, mudar todo o quadro, e até mesmo virar o jogo, cujo campo de batalha pode ser, não um tabuleiro, mas uma “margem de erro”…
Ad astra et ultra! Alea jacta est!
Reis
¹https://www.bbc.com/portuguese/internacional-37214447