Prezado Capitão Bolsonaro,
Sou um soldado, portanto sou um homem simples. Sendo pouco dado a devaneios filosóficos, escrevo menos com a mente do que com o coração. Um coração de soldado, que é patriota, não só pela mão pesada da lei militar que me obriga a sê-lo, e me coage amorosamente a defender esta mesma Pátria “com o sacrifício da própria vida”, mas também um coração que, forjado nas lides da caserna, desde tenra juventude, tornou-se crente na honra e no respeito à hierarquia em todas as suas manifestações, mas principalmente crente na hierarquia militar, esta que chega às raias do sacerdócio. Disso só sabem aqueles que um dia foram peças dessa magnífica engrenagem, que, cega, como a justiça, dá o melhor aos melhores, e estes, sabemos – no jargão militar – , são os “mais antigos”.
Este é o orgulho do soldado. Não é um orgulho como o entendem os vaidosos, os narcisistas, os que se pavoneiam com palavras momentosas de palanque. É o orgulho de servir. Servir a quem? Ao superior, ao comandante, às Forças Armadas? Podem sim estar incluídos neste orgulho. Mas no íntimo deste sentimento que, mesmo diante de traições e acintes, mantém-nos a nós militares com a cerviz erguida, está o serviço à hierarquia. Ser parte de algo invisível, intocável, mas poderoso, que faz os ideais se erguerem e, pelas mãos dos soldados mais humildes, dar o alimento aos refugiados em Roraima, apagar as chamas que consomem a Amazônia, pacificar, ainda que temporariamente, os morros cariocas tomados pelo crime.
Mas o sentimento – pois este é o estofo do soldado, não as filosofias, nem os altos estudos -, o sentimento que me impele a escrever esta simples carta de desabafo é a tristeza de ver que a lealdade, terceiro e invisível pilar do militarismo, ao lado da hierarquia e da disciplina, foi violentada, sequestrada e amordaçada em algum porão obscuro do Parlamento brasileiro ao final do ano de 2019. Digo isso, porque apesar de simples soldado, não sou cidadão simplório.
Ninguém me contou, testemunhei com meus próprios olhos, com profundo desgosto e vergonha, a sanha com que outros militares, garbosos em seus uniformes estrelados, calcaram sob os pés este sentimento tão caro ao profissional das armas, a lealdade, em nome de vantagens pessoais e em detrimento daqueles que eles deveriam “tratar com dignidade”. Eles, que também estão sob o tacão da lei, eles que deveriam ser a fonte da lealdade… Pois sei pela experiência da caserna, que a lealdade, não somente ascende, mas também descende. Como a chuva ela desce dos ombros para os braços, e vai até as mãos, aquecendo a “fé na missão elevada das Forças Armadas”. É a lealdade que fortalece os homens e mulheres militares, não uma suposta “meritocracia”, conceito vago e falacioso, e que desde sempre existiu no militarismo, mas com o nome de hierarquia. E a lealdade é a espinha dorsal da hierarquia.
“É indiscutível que os irmãos de armas que ainda estão na ativa merecem tudo o que a Lei 13.954/2019 lhes está trazendo. Mas os veteranos não merecem o que a mesma Lei lhes está negando!”
O que vi em Brasília, nos corredores do poder político, foi essa lealdade ser pisoteada por aqueles em quem, por força legal, eu confiava meus mais lídimos anseios de vítima da MP 2.215/2001. O que eu vi em Brasília foi que as Forças Armadas, representadas ali pelos seus comandantes, uma delas à qual dediquei trinta anos da minha vida, à qual dei o vigor da minha juventude, souberam bem cobrar duramente a minha lealdade, mas não tiveram pudor algum em ser desleais à luz do dia comigo, com seus veteranos e pensionistas. É indiscutível que os irmãos de armas que ainda estão na ativa merecem tudo o que a Lei 13.954/2019 lhes está trazendo. Mas os veteranos não merecem o que a mesma Lei lhes está negando!
Quantas vezes o senhor, capitão, como deputado naquele mesmo Parlamento, critcou a “MP do mal” e conjurou uma nova lei que trouxesse justiça à situação vergonhosa e humilhante que durante tantos anos viveu a classe militar? Classe à qual o senhor pertence, classe à qual o senhor, capitão, não se cansa de homenagear.
Porque os que o conheciam de longos anos, os que, cansados de décadas de descaso, pressentiram aliviados o vento da mudança, quando o “nosso capitão” fora “promovido” à Comandante-em-Chefe das Forças Armadas pelo povo que um dia, o senhor e tantos veteranos, juramos proteger com o sacrifício da vida. Esses que por anos a fio distribuíram santinhos para a família Bolsonaro; esses e os veteranos de 2001 a 2019 (os “lacunados”, que foram prejudicados pela MP e agora foram prejudicados pela nova lei) e as pensionistas foram simplesmente esfaqueados! Não pela frente, como fizeram com o capitão presidenciável, mas pelas costas! Não pelo inimigo ideológico e patológico, mas pelos que tinham a nossa total e irrestrita confiança! Há traição mais vil? Há traição mais vergonhosa!?
Esta é uma carta amargurada, condizente com quem deu o melhor de si ao seu país, e teve como resposta o desprezo e o esquecimento; mas também é uma advertência sincera. Acautele-se, capitão, contra os que dizem servi-lo melhor do que outros, apenas por que ostentam estrelas brilhantes. Acautele-se dos que o afastaram dos seus apoiadores da primeira hora. A verdadeira proteção está num coração puro e grato, não em blindagens artificiais costuradas por homens que nunca o apoiaram e que na verdade nunca o aceitaram como seu igual, a não ser na medida de seus próprios interesses inconfessáveis.
Dizem que o capitão foi cooptado pelo presidente e que este sim é o verdadeiro traidor dos militares.
Alguns colegas dizem que sou ingênuo. Talvez seja. A mente militar tem essa deficiência. Dizem que o capitão foi cooptado pelo presidente e que este sim é o verdadeiro traidor dos militares. Que as lealdades antiquadas devem dar lugar às novas, etc. e que os militares veteranos não fazem parte da melhoria que o governo Bolsonaro prometeu implementar. Não acredito nisso. Não totalmente. Ainda penso que o capitão, a despeito do Presidente, possa e queira “pôr ordem na casa”, isto é, “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
JB Reis – Portal Militar – Portal de Notícias Militares e segurança pública