Aos que pedem intervenção
Desde quando os militares entraram no Palácio do Planalto pela porta da frente, diferentemente de 1985, quando saíram de fininho pela porta dos fundos, a imprensa propala aos quatro ventos o golpe que cedo ou tarde seria dado pelo atual presidente contra o Estado brasileiro. Exceto pelos tanques enfumaçados usados em 2021 para intimidar os congressistas por ocasião da PEC do voto impresso, não houve, nesses quatro anos em que o Brasil ficou à deriva, demonstração de violência por parte das Forças Armadas. Nenhuma intenção manifesta de tomar o poder pelas armas. Mas, desde a derrota de Bolsonaro nas eleições presidenciais, há pessoas – de carne e osso – pedindo, implorando por uma intervenção militar no Brasil.
Um dos primeiros indícios de que aquilo que muitos chamam de “partido militar” (isto é, uma “confraria” invisível e informal de militares de alta patente, tanto da ativa quanto da reserva) não estaria interessado em golpes como os do passado foram a urgência e a parcialidade (em favor de nichos específicas da classe armada) com que o atual governo votou a reforma previdenciária. É memorável um general ministro de Estado reclamando do salário em uma entrevista. Também é (ou deveria ser) inesquecível pelo cúmulo da imoralidade e descaso para com o povo brasileiro o governo (bastante funcional neste quesito) ter autorizado que os generais recebessem salários acima do teto constitucional. Desnecessário e irritante rememorar caso por caso.
Metido o borzeguim na porta da Administração Federal, ato contínuo, mais de seis mil militares “invadiram” a muralha por tantos anos intransponível e se cevaram dos mais diversos cargos comissionados. Vieram as “escolas” cívico-militares, um híbrido de doutrinação paramilitar e supostos “valores” patrióticos – um antídoto contra Paulo Freire – rendendo… mais cargos para os militares. Provavelmente quando a festa acabar o novo governo descubra alguns esqueletos no armário…
Eis que o pesadelo da militarização (bem remunerada) da sociedade está a poucos meses de virar história. Considerando que a própria ideia de intervenção seja um absurdo constitucional e legal – e que as pessoas que a pedem, não sabem o que pedem -, haverá algo que conecte o “partido militar” – esse “partido” das sombras, covarde e elitista, que não tem rosto, mas que vez ou outra se incorpora em algum político de péssima estirpe – aos milhares de brasileiros pedindo às portas dos quartéis uma intervenção militar?
Um comandante em uma formatura dentro de uma organização militar no Nordeste diz que “não interessa o que se pede”, desde que se peça com carinho. Segundo este general, em serviço ativo, os manifestantes que pedem o rompimento da ordem constitucional vigente (a que todos os militares, inclusive ele) devem obediência (“um manda o outro obedece”, no dizer de outro famoso general deste governo), essas pessoas têm todo o respaldo para fazê-lo. Se por meios pacíficos (e isso é questionável, pois basta olhar o noticiário para ver a atual explosão de violência política), milhares quiserem burlar a lei, rachar a União, fomentar o ódio generalizado contra uma minoria ou outra, desde que sejam “ordeiros”, devem “ser protegidos” pelos militares. Segundo essa interpretação canhestra da realidade política “os meios justificam os fins”.
Manifestar-se “pacificamente” pedindo a ruptura da ordem constitucional é uma contradição em termos! Este comandante cita a litania bolsonaresca de uma suposta “luta do bem contra o mal”. Ora, a Constituição da República é uma carta política, não um testamento religioso. Não existem coisas como bem e mal nela. Existem a constitucionalidade e o crime. O que não é um, é outro. De que lado estão as autoridades da República? Do lado da Constituição ou do outro lado?
Aos néscios que pedem intervenção acautelem-se do venenoso gás da incoerência que lhes está obstruindo o raciocínio.
O que milhares estão pedindo, jamais lhes será dado, porque simplesmente esses que estão sendo infantilmente erigidos como os deuses salvadores de uma “república” do fim do mundo, os generais insufladores de um golpe natimorto, já deram o próprio golpe tão logo se vincularam ao (“mau militar”) presidente que jaz com dor de cotovelo há semanas por ter sido “metralhado” pela democracia. Já deram o golpe financeiro, que era o que lhes interessava.
O que lhes resta agora, talvez como parte de um fracassado “plano B”, é usar os intoxicados pela radicalização político-ideológica às portas dos quartéis como moeda de troca, de modo a poderem descer a rampa do Planalto pela porta da frente como os “fiadores da transição”, os que “teriam evitado um mal maior”. E assim a história recente deste país embananado se repete como farsa e nos envergonha um pouco mais.
JB Reis – https://linktr.ee/veteranistao
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