Antes das eleições de 2018 o atual presidente da república declarava desconfiar que poderia perder a eleição por conta das urnas “smartmatic”. Não aconteceu, ele venceu com margem relativamente alta de votos.
Pouco depois das eleições – em 9 de março de 2019 – em uma palestra nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro disse que possuía provas de que as urnas eletrônicas são uma fraude.
“Eu acredito que, pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude. E nós temos não apenas palavra, nós temos comprovado, brevemente eu quero mostrar”, disse.
Já se passaram 1 ano e 7 meses após a declaração e o Bolsonaro não apresentou as tais provas.
“vou mostrar brevemente”, ele disse! E aí, estou esperando! Eu digo.
Hoje, 29 de novembro de 2020, no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro fez outra declaração:
“Na minha eleição, em 2018, só entendo que fui eleito porque tive muitos votos. Tinha reclamações que o carinha votava no 17 e não conseguia votar, mas votava no 13. Vão querer que eu prove, é sempre assim, mas o que acontecia em muitas seções: colocavam um pingo de cola na tecla 7 e a pessoa não votava no 17”.
Ora, é claro que vão querer que prove. É assim que funciona em uma democracia!
O presidente Jair Bolsonaro tem todo o aparato de inteligência do país a sua disposição. Pergunto, alguém seria capaz de acreditar que já não usou isso para tentar obter as tais provas que alega possuir?
Qualquer ser humano adulto e ponderado seria incapaz de acreditar que uma conspiração desse tipo, que obrigatoriamente deveria envolver centenas de pessoas, passaria despercebida. É incoerente acreditar que parte considerável dos funcionários de carreira do Tribunal Superior Eleitoral, concursados e antes honestos, se transformaram em pessoas desonestas e dispostas a arriscar toda uma carreira e a própria liberdade em favor de uma conspiração gigantesca contra Jair Bolsonaro e a direita.
A coisa é tão complicada, o fanatismo é tanto que algumas pessoas se sentem obrigadas a embarcar nessa canoa furada sob risco de perderem apoiadores, de serem achincalhados na internet.
Um ex-candidato – bolsonarista – me confidenciou que acredita que de fato a eleição foi justa e que o número de votos que recebeu é realmente o que corresponde ao trabalho e investimento feito na sua campanha. Todavia, em um evento de candidatos derrotados e insatisfeitos ocorrido no Rio de Janeiro ele disse que acha que “foi roubado”.
Questionado novamente por mim ele alegou que essa defesa da fraude visa garantir um processo eleitoral justo em 2022.
Ou seja, abandonou a verdade, mentiu em nome da suposta defesa de uma eleição justa em 2022.
Os fins justificam os meios!
Há apenas dois anos dizíamos que isso era coisa de esquerdista.
Grande parte dos brasileiros não confia no sistema eleitoral. Obviamente, como você, eu creio que é necessário um processo “analógico” de verificação de votos, possibilidade de recontagem etc. Mas, constatar essa necessidade não me dá respaldo para chamar pessoas de criminosas.
Como a maior parte dos militares, eu também luto há quase uma década para que o viés ideológico do governo fosse mudado. Uma revisão nos artigos da Revista Sociedade Militar de 2013 pra cá atesta nossa luta pelo esclarecimento da sociedade.
Todavia, o fato de possuirmos hoje um presidente “de direita” não me faz acreditar que ele é o suprassumo dos governantes, dotado de infalibilidade, que não pode ser contestado e – por fim – que as críticas vão inviabilizar a higienização necessária ao nosso país.
Caso Bolsonaro tenha acreditado que membros da imprensa que apoiaram o seu projeto se transformariam em meros porta vozes, bajuladores sem qualquer senso crítico, errou feio.
O que tem ocorrido é que pessoas que se dizem honestas – alegando combater o “comunismo” – abrem mão de toda a sua reputação e passam a fazer vista grossa a princípios que antes defendiam, como verdade, idoneidade, presunção de inocência etc.
Não divulgar mentiras, não lançar acusações sem provas e não fazer fofoca fazem parte da lista de princípios morais de qualquer pessoa decente.
Logo após as eleições nos Estados Unidos circularam diversas mensagens sobre uma suposta fraude. Uma delas em particular me chamou a atenção, dizia que TRUMP havia permitido que se enviasse cédulas com uma marca d’água para se contrapor a cédulas falsas que teriam sido feitas na China para ser usadas pelos Democratas e que assim poder-se-ia verificar a fraude.
Isso circulou por meio de vídeos e áudios de “especialistas”, que alcançaram milhares de pessoas.
Alcançaram milhares de pessoas!!!
Como assim? As pessoas ficaram loucas, perderam a noção da realidade? Ou compartilham mesmo sabendo que se trata de mentira só para apimentar essa teoria conspiratória sem qualquer prova?
No áudio há várias outras besteiras como a existência de lei que prescreve pena de morte para fraude nas urnas.
Infelizmente, cada vez mais creio que o staff do atual presidente acredita que ele precisa muito de um time de fanáticos dispostos a abrir mão de sua idoneidade moral para defendê-lo incondicionalmente.
Seguidores fanáticos são pessoas que não ousam usar a própria mente e que apenas cumprem prontamente às orientações da liderança, independente de sua razoabilidade. São esses que se transformaram nos pilares que sustentam os piores ditadores da história mundial.
No ano passado, nos Estados Unidos, o FBI prendeu um oficial da Guarda Costeira – seguidor fanático de Donald Trump – que elaborou uma lista de alvos que incluía repórteres da MSNBC e da CNN, e um oficial do Exército foi preso acusado de conduzir uma discussão online na qual falava sobre explodir a sede de uma grande rede de TV.
É a isso que o fanatismo leva.
Particularmente creio que o Brasil precisa de um grande time de pessoas que pautem suas ações por princípios e não pelo que sua trupe pensa, que lutem por ideais e não por siglas ou líderes, que não admitem abrir mão de sua idoneidade moral e que não apoiam ninguém incondicionalmente.
Não há como seguir um ser humano incondicionalmente, sempre haverá condições.
Vergonha alheia!
Robson Augusto – Artigo no Portal Militar