A epopeia salarial dos militares não é de hoje e parece estar longe de ter um fim. Firmemente apoiados no antigo bordão “somos uma nação pacífica”, tanto a politicalha quanto o cidadão médio desprezam desabridamente as Forças Armadas. Dizer ao gado fornecedor de impostos que, num país miserável, um porta-aviões é mais importante do que um hospital, beira à pornografia ideológica!
A história recente registra que a primeira favela carioca surgiu devido à invasão de ex-escravos libertos e de militares voltados da Guerra do Paraguai. Importante salientar que os soldados foram ludibriados (palavra bonita para “traídos”) pelo governo da época, que não cumpriu a palavra empenhada, e passou a perna nos sobreviventes, não pagando seus soldos. O maior conflito bélico ocorrido no Cone Sul não só matou muita gente, como explorou a boa-fé de outros tantos e ainda deu calote nas forças regulares. O governo fazendo o que faz de melhor…
Seja contra o “cano” governamental na Guerra do Paraguai, passando pela justíssima insurreição contra castigos físicos na Revolta da Chibata ou pelo levante por direitos políticos dos sargentos em 1963, o que se vê é uma suboficialidade aguerrida, que vira e mexe bagunça o coreto, em busca de conquistar seus direitos de “subcidadão”. Atônitos, os oficiais (os deuses pensantes da caserna) passam à história um tom de vitoriano espanto, como se de nada soubessem. Como se não fossem eles os causadores primeiros dessas mazelas!
Hoje em dia, não é diferente. É até mais pitoresco… Até 2001 vigorava a lei do “posto acima”. Os que se aposentavam, “ganhavam” um plus. Bastante justo, diga-se de passagem, já que o militar, que tem mais deveres do que direitos, não tem FGTS e outros penduricalhos e a tal gratificação tirava, digamos, a corda do pescoço dos que se afogavam no porão do navio. (Há quem diga que já houve dois “postos acima”. Pode ser lenda, pode não ser. Mas como já houve guerra na República de “Banânia”, tudo é possível!) A partir da MP 2.215/01, o conto de “fardas” acabou. Foram-se para o ralo da história o posto acima, o anuênio, o auxílio-moradia… acabou tanta coisa que a década de dez foi a de maior evasão nos quartéis.
Resumindo a ópera-bufa: a Lei nº 13.954/19 não só enfiou a faca na ferida aberta que a MP 2.215/01 deixou, como ainda jogou um pouquinho de sal. Quando elegemos um governo “democrático-por-falta-de-opção” presidido por um ex-militar, pensamos que a bagunça iria ser organizada. Mas, eis que os generais semi-legisladores, para não desmentir o passado e continuar praticando o seu esporte preferido – cutucar a suboficialidade com vara curta – se superaram.
Criativos e debochados ao extremo stalinista, os deuses olímpicos da milicolândia escreveram “nas coxas” uma lei que instituiu o “posto abaixo”! Bizarro!? Não. É até bem simples de entender. O novo adicional negativo é um curso para inglês ver tirado da cartola da administração militar e ofertado aos suboficiais/subtenentes da ativa a partir de 2020. Ele é negativo para os veteranos que sobreviveram à MP 2.215/01 só para serem ainda mais lesados pelo governo, já que o curso existia há vinte anos e nunca foi disponibilizado.
Longe de ser “sustentável”, como apregoado aos quatro cantos, parece que a previdência militar está mais para um leviatã autofágico, uma vez que, numa manobra “robin hoodiana” tirou da base para dar ao topo. Em bom vernáculo, a covarde bitributação das pensionistas, os zero por cento dado aos cabos e soldados, entre outras “mitagens”, foi o que possibilitou o estrelado aumento de R$10mil para os generais, almirantes e brigadeiros.
E depois os sargentos é que são comunistas…
Reis /