O relacionamento entre os praças veteranos das Forças Armadas e o Presidente Jair Bolsonaro está longe de ser cordial. Por parte deste último, o desprezo puro e simples. Do outro lado, um ódio irracional. Entre esses extremos, como fiel de um cabo de guerra, a Lei nº 13.954/19 é o ponto que une o Comandante Supremo ao raivoso exército de pijamas. Como essa relação se forjou e como ela pode afetar a luta justa pela revisão da Lei do mal e até a vida de cada veterano?
Todos conhecem a trajetória política do capitão Bolsonaro, desde quando saiu do EB até ter sido eleito Presidente da República em 2018. Uma carreira pública apagada, atrelada quase totalmente ao seu passado de militar. Tendo iniciado como vereador no RJ, foi se fortalecendo no Parlamento como alguém que pretendia ser um contraponto às ideologias esquerdistas que grassavam no Congresso. Em quase trinta anos de legislatura, que se saiba, nunca apresentou um projeto de lei que fosse em benefício dos militares, principalmente das categorias de base, que eram seus eleitores contumazes. Apenas palavras, discursos inflamados e vociferações foram suficientes para saciar a sede de justiça dos militares e mais do que suficientes para garantir a aposentadoria de Bolsonaro, depois do segundo mandato em Brasília.
O laço estava feito. Quando em 2017 iniciou-se o boato de que sairia candidato à Presidência do Brasil, certamente os veteranos, principalmente os praças, maioria deles fiéis eleitores, entreviram o lance de mestre no tabuleiro da política remuneratória escorchante das FA. Mas, contrariando toda lógica, contradizendo qualquer previsão e cuspindo no prato em que comeu, Bolsonaro sancionou, sem ter aposto nenhum veto, a Lei nº 13.954/19, selando para sempre o destino de centenas de milhares de veteranos e pensionistas, seus apoiadores de primeira hora. Sem tirar nem pôr, uma traição incontestável. Não há como contornar isso. De um lado a traição do Presidente, de outro a omissão conivente, quiçá planejada com anos de antecedência pelas próprias Forças Armadas, que até hoje silenciam covardemente sobre a própria conduta. Este estado de coisas, aliado à situação pela qual passa o mundo e o país, precipitou os veteranos num vale de sombras…
Depois da surpresa, o estupor. A traição orquestrada gerou o trauma. À medida que as notícias foram se difundindo e mais e mais veteranos conheceram a traição, ato contínuo, foram ficando prisioneiros dela. Foi-se criando uma resistência. Grupos de mensageria eletrônica, que existiam por outros motivos, tornaram-se fóruns portáteis de debate e construção de estratégias. O que fazer contra a maldita Lei? Como convencer o Governo ou mesmo a opinião pública de que os veteranos haviam sido esfaqueados pelos que deveriam protegê-los, a todo custo? Como reverter tal situação? Um nome é recorrente nos grupos: Bolsonaro. Rotulado de todos os adjetivos possíveis, nenhum muito educado, o ex-capitão é o sangue ruim que circula nesse submundo eletrônico.
E, numa guinada surpreendente e abrupta, eis os veteranos, agora reféns do antigo ídolo ‒ mas, diferentemente do que ocorreu no passado, atados pelos laços do ódio. Os que até há pouco tempo eram bolsonaristas mais ou menos ferrenhos, agora têm sangue nos olhos e são, não simples opositores moderados e preocupados em propor soluções para a crise nacional, mas pura e simplesmente inimigos figadais de qualquer coisa que venha assinado embaixo “Bolsonaro”. Nunca é demais repetir, não adotamos esta ou aquela corrente ideológica em nossos textos. Trata-se aqui de jogar alguma luz sobre uma situação que não é só política, mas vivencial. É óbvio também que não se deve generalizar. Não são todas as pessoas que estão manietadas por esse “ódio do bem”. Há, sem dúvida, aqueles que usam a cabeça com finalidade diversa de apenas separar orelhas. Estes são poucos, mas devem ser “o sal da Terra”.
Chegam-nos relatos de amizades trintenárias desfeitas em 2018 por conta dos posicionamentos políticos. Uns apoiavam o mito com unhas e dentes. Outros, alinhados à agenda “progressista” (mesmo sem terem noção do que isso era) opunham-se ao candidato. Agora, depois da Lei n°13.954/19, todos estão unidos num só sentimento. Esquerdistas e direitistas abominam o Presidente da República e qualquer coisa que venha dele. Se, em algum pronunciamento, Bolsonaro disser que o céu é azul, seus (até ontem amantes, agora) opositores iniciarão as vaquinhas para que se pinte urgente o céu de verde. Se Bolsonaro afirmar que a vacina tal é suspeita, vamos todos beber litros da vacina. Se ele disser que não devemos comer borracha, eis-nos amanhã a roer todos os pneus que encontrarmos!
A que nos reduzimos? Uma tropa de adolescentes birrentos e velhos rancorosos? O radicalismo dos partidos de esquerda trouxe-nos até aqui. Até o ponto em que ele, o radicalismo, traveste-se de direita. Os que até ontem acusavam os petistas, os psolistas, os anarquistas de radicais, de extremados, de irracionais, hoje cerceiam comentários de colegas que ousam ver algum ponto positivo no governo Bolsonaro. Repetimos, não estamos defendendo ninguém. Muito menos o governo que nos prejudicou financeira e moralmente, mas para além de todas as diferenças políticas deve haver e deve ser defendido entre os militares a liberdade de pensamento e a cordialidade. Nós, que somos por trinta anos, legalmente cerceados em nosso direito de expressão. Nós, que voluntariamente somos manietados por leis draconianas. Nós, cujo silêncio é tão caro ao Estado, a ponto de termos nossa liberdade de expressão regulada por uma lei específica, estaremos caminhando para uma autocensura de classe por influência oblíqua… de Jair Bolsonaro? Bolsonaro não era o dono da verdade em 2018 nem tampouco agora é o pai da mentira.
Se não vigiarmos, o Mito e seus asseclas estrelados podem conseguir o intento inicial que, com a canetada desastrada de 16 de dezembro de 2019, parece que era mesmo nos fragmentar. Num primeiro momento eles lograram êxito. Hoje, estamos divididos de direito. Ativa e reserva, a cada contracheque ficam mais distantes uma da outra. Amizades de longa data, das que só se constroem na caserna, foram destruídas como por encanto por um politiqueiro de meia pataca. Não podemos deixar que o vírus do radicalismo, mesmo aquele que achamos justo (que é “justiça”, afinal?) venha a nos cegar nessa “jihad” que nos absorve mais a cada dia e constantemente ameaça nos engolir. Chegará o dia em que estaremos divididos de fato? Chegará o dia em que nos comportaremos (até fora dos ambientes virtuais) como antibolsonaristas ao avesso, como cultores de um arquidemônio? Bem disse um Mestre: “onde estiver teu tesouro, aí estará teu coração”!
JB Reis – “Psicólogo” do Veteranistão