“Adapta tua maneira de ser e tuas palavras àquele com quem estás lidando. Aos avarentos, fala de prejuízos e lucros, aos devotos, de Deus e de Sua maior glória, aos jovens vaidosos, de sucessos prováveis e humilhações possíveis.”
Breviário dos políticos, de Jules Mazarin
Dizem que o brasileiro é conservador por natureza. Quer conservar ao máximo tudo o que pode. Mas, não é que seja puro moralmente, muito menos puritano, mas sim que lhe falta alma “revolucionária”. Não gosta de mexer no que está quieto, mesmo que aquilo que “está quieto”, esteja na verdade bem ativo e lhe prejudicando. Em sua ânsia mórbida de justificar a consciência entorpecida, inventou que Deus é brasileiro, como a depositar às costas do Criador Supremo os fardos que ele, o brasileiro, deveria carregar e deles se desembaraçar com seu próprio suor. Sua modorra mental, claro, reflete-se em apatia política. Como não gosta de mudar (achando-se um conservador ideológico, quando de fato não passa de um preguiçoso moral) tende invariavelmente a reeleger mandatários políticos. Nesse espírito ou na falta dele, só para ficar no Planalto, o brasileiro reelegeu Fernando Henrique Cardoso, reelegeu Lula da Silva, reelegeu Dilma Roussef, e se pudesse reelegeria Michel Temer – e durante esses governos a lamúria era diária. Não é de todo sua culpa, já que a democracia é como aceitar carona de um motorista cego numa noite chuvosa. É ficar morrendo na estrada ou tentar não morrer na pista.
Há seis meses das eleições para presidência da República, os ânimos estão se acirrando e a sensação é de que os últimos três anos se passaram num ringue de luta livre. Estaremos caminhando rumo a algum tipo de paz? Não parece. Na verdade, o horizonte está mais nublado ainda do que em 2018. Escancarou-se o fosso aberto pela radicalização ideológica. Em recente discurso, o atual antipresidente – título que lhe cai como uma luva, já que foi eleito majoritariamente com os votos antipetistas – declarou que o Ministério da Defesa é a pasta que “mais se destaca” (aos olhos e necessidades dele obviamente), pois “tem a tropa em suas mãos” e que (ele e o) ministério (!) poderá fazer o país “retornar à normalidade, ao progresso e à paz”. Ora, que tipo de anormalidade estaríamos vivendo? Seria a gasolina a quase R$10,00? O gás de cozinha a R$110,00? Não deve ser. Ele não diz. Aliás, ele quase não diz nada, apenas fala. E sua fala não é direcionada à razão, ele não fala para o povo brasileiro, mas sim para um povo particular, o seu séquito de aduladores, e a estes não fala com palavras, mas com inconsistências. Ele fala para os clubes de tiro, que lucram com a promessa de que “povo armado não será escravizado”, ele fala para os acionistas da Petrobrás, que dispensam adjetivos, ele fala para os generais, que preferem seus cavalos ao povo, ele fala para a malta dos endinheirados que ficaram ainda mais ricos durante a pandemia.
Se as administrações anteriores fizeram do roubo a sua pegada de carbono, este governo ostenta o estandarte do cinismo, enquanto derruba o que sobrou. Enquanto a imprensa se distrai com as piadas neandertais do antipresidente, “instituições financeiras investiram R$ 270 bilhões em mineradoras com interesses em terras indígenas na Amazônia”. A desculpa (esfarrapada, pois desmentida por informações do próprio governo) é que “o Brasil poderia ser autossuficiente em insumos que vêm de países europeus, caso possa haver mineração nas terras indígenas”. Assim como a lenda do nióbio esteve para 2018, a lorota do potássio estará para 2022. E o povo engole com leite que o índio (palavras antipresidenciais) “cada vez mais é um ser humano igual a nós”. É o governo do desmonte e da destruição. A reforma da previdência beneficiou as cúpulas, puxando o tapete das bases trabalhadoras. A reforma trabalhista não gerou mais empregos, e só o que faz é flertar com o neoescravismo. Em três anos o Ministério da Educação não pára de patinar. O que isso significa? O recado é subliminar e oblíquo, mas incisivo. A educação não importa para este governo. Está em curso investigação de corrupção no MEC, enquanto há crianças de oito anos no Brasil, obviamente pobres, que, em pleno século XXI, não sabem ler.
As promessas de governo que não foram cumpridas, devem ser recicladas para a campanha da reeleição. O antipresidente contará com a leniência do povo, que ele conhece muito bem. Do povo que ele não se esforça por educar, do povo que ele faz questão de desprezar diariamente, do povo que ele sugeriu se contaminar pela covid19, já que não passava de uma “gripezinha”. Do povo pacífico que tem saudades da ditadura, e que, como o antipresidente, defende a tortura como pedagogia. Um povo que é contra o aborto, mas que clama pela pena de morte. Um povo que é por Deus e pela família, mas que culpa a saia pelo estupro, e é fã de justiçamento (não de justiça, pois esta pode ser cega). É a sociologia da barbárie, o império da brutalidade e a apoteose dos violentos. Um povo, que de tanto ver triunfar as iniquidades, disputa entre tapas um lugar entre os desonestos, um povo, que de tanto ser massacrado, aprendeu a apreciar o massacre por si só.
Um saco vazio de promessas, o antipresidente se apresentará em outubro assim como é. Nu, sem retoques e sem moderação, com o liberalismo predatório à direita e as Forças Armadas, este golem desfigurado, à esquerda, ambos presos pela coleira. Pedirá mais quatro anos para poder governar e terminar o serviço (que, aos crentes de sua seita, é sua “missão”). Ele está no seu meio. Sabe, não por intelecção, pois é carente deste atributo, mas por instinto, que este povo que o elegeu como o “moralizador” do país, tem vários motivos irracionais para perpetuá-lo no poder, pois é um povo historicamente hipócrita, moralmente indeciso e antes de tudo inimigo de si mesmo.
JB Reis