“Igrejas e quartéis, as colunas de poder na reeleição de Bolsonaro”
Há alguns anos, quando o Brasil estava caminhando para o fundo abismo da corrupção estatal, mal se ouvia falar de direita ou nova direita política. Conforme os escândalos financeiros se avolumavam nos noticiários e o fim vergonhoso da era PT se anunciava, forças não tão ocultas, mas subestimadas pelos corruptos profissionais (que se importavam mais com a Polícia Federal do que com a correta administração do Estado), costuravam o seu próprio cavalo de Tróia, que as conduziria ao coração daquela deplorável situação nacional que já dava sinais de se conflagrar.
Como o golem das lendas judaicas, Jair Bolsonaro era uma criatura artificial. Desprovido de carisma, de “capital político” quase nulo, era imprescindível que fosse engrandecido e associado a forças muito maiores do que ele, conferindo-lhe uma certa aura mística. Uma dessas forças (subestimadas pelo stablishment político) eram as Forças Armadas – devidamente cooptadas pelos oficiais generais contemporâneos do capitão expurgado do Exército. Esta foi uma das pernas de pau que ergueram esse homem pequeno e lhe conferiram a estatura de legítimo senhor da guerra – imagem que como se sabe é falsa. Eis que o parlamentar desbocado se converteu, com endosso de generais, almirantes e brigadeiros, na própria imagem do Soldado brasileiro. Assim, ele se tornou o portador da espada.
Uma vez transposto certo limiar de moralidade, não é possível voltar atrás. As forças que jogaram esse jogo sujo não se pejaram de penetrar aquela esfera até então mais cara ao brasileiro, o sentimento religioso. Sem nenhum tipo de pudor, a famosa “pauta de costumes” na atual campanha de reeleição de Bolsonaro converteu-se na segunda perna do mamulengo republicano. Após quatro anos manquitolando, cai não cai, o candidato à reeleição é hoje, mais do que era antes, o “messias salvador”. Ele agora é o portador da cruz. Não para ser pregado nela, de jeito nenhum! Ela, assim como a espada (que lhe foi alugada pelos generais a troco de soldo), é meramente a muleta que usa para tentar se manter de pé por mais quatro anos, nada fazendo de importante, exceto enaltecer coisas que nunca fez e planejando coisas que nunca fará.
Em pesquisa recente, mais da metade dos entrevistados (que estão mais para violadores da consciência alheia do que para religiosos de verdade) acham que política e religião devem andar juntas. Segundo eles, “valores da família importam mais do que boas propostas para a economia”. Com uma opinião pública dessa natureza, alinhada com países como Afeganistão, Irã e Arábia Saudita, e firmemente alicerçada em “políticas públicas” do século XIII, seria um sacrilégio que a campanha de reeleição do “capitão do povo” não fosse feita de igreja em igreja, assim como em 2018 foi feita de quartel em quartel.
Mas, a politização da religião já dá sinais de agastamento. Dois oficiais da FAB, devidamente cobertos e alinhados com o governo, e transigindo a ética militar mais básica, foram filmados num culto religioso pedindo votos aos presentes – observem o exemplo dos generais sendo seguido à risca -, ao que foram corajosamente admoestados por um fiel inconformado com a promiscuidade política que, como uma peste contagiosa, passou da caserna para o púlpito.
Os louros que as Forças Armadas recolheram nesses quatro anos de exposição midiática e de indevido uso político refletem-se nos índices de confiabilidade popular que apontam inédita queda depois da ditadura. A política desastrada do governo em conluio com o elitismo vingativo dos generais também causou uma fissura na secular ordem ativa/reserva por conta da discriminatória reforma da carreira feita há três anos. Os próximos comandos talvez enfrentem situações que se supunha estarem sepultadas pela história.
Apesar de ser um povo “jovem”, fruto de miscigenação racial – e em contraste com sua pouca idade – sabiamente tolerante com as mais diversas práticas religiosas, que acolheu ao longo dos séculos, o brasileiro dá mostras de estar se rendendo ao discurso fácil da brutalidade política e da superficialidade religiosa. Paralisado pelo medo pânico do passado recente, cansado de pagar o pato por fracassos que se repetem de geração em geração, o “brasileiro de bem”, hipnotizado pelas elites políticas atuais está sendo facilmente capturado por uma onda de radicalismo ideológico que afeta o mundo já há alguns anos. Lamentável é que os bons militares e os verdadeiros religiosos assistam calados à degeneração de instituições tão relevantes para a nação. Um processo que à sua maneira lentamente continua o que a corrupção começou tempos atrás.
JB Reis
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