Texto dedicado ao camarada Eliezer, que há um ano, incansavelmente (e infelizmente com pouco apoio) congestiona o twitter de todos os políticos de Brasília.
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— Eliezer M Oliveira (@EliezerMOlivei1) February 5, 2021
Hierarquia e disciplina são as fundações das FFAA. Conquanto garantidores da ordem social, mas inescrupulosos os homens que os manipulam, tais institutos podem tornar-se meios de abuso de poder a voltarem-se primeiramente contra os mais fracos nas próprias Forças. A reestruturação das Forças, cortina de fumaça criada para aumentar salários dos militares mais ricos às custas dos mais pobres, foi uma aplicação prática dessa teoria maquiavélica. Contra essa artimanha que maculou o espírito militar, e dado que os militares da ativa são legalmente proibidos de se manifestar, restou aos veteranos tomarem assento nas ágoras políticas da atualidade, inclusive nas virtuais, as conhecidas redes sociais, sendo uma das mais importantes, o Twitter ‒ certamente os manipuladores não contavam com tal reação.
A estrutura rigidamente hierarquizada das FFAA submete os homens, máxime os de patente mais baixa. A disciplina os segmenta em ciclos fechados, estanques. Não há nuanças, nenhuma transição entre os estratos. Dividem-se secamente. Os ciclos principais de categoria, oficiais e praças, encarregam-se de eliminar qualquer possibilidade de entropia. Os exercícios de convivência mais comezinhos dão-se segundo regras exaustivamente descritas em algum regulamento, que traz embutida a cominação legal de possível transgressão. E apesar de alguns reformadores progressistas torcerem o nariz, é assim mesmo a caserna, um mundo separado. A única menção à “pátria” na Constituição da República é feita justamente no artigo reservado aos militares, o 142. É de se esperar que seja assim com uma “categoria especial de servidores da Pátria”. Aos que se exige o maior sacrifício deve-se uma distinção, não obstante seja apenas no papel.
Manietado por trinta anos por tal conjuntura, o militar em geral torna-se avesso ao debate político. Por não poder pôr plenamente em prática sua visão política (é-lhe permitido apenas o voto) quer seja no discurso quer seja na filiação aos ideários que abraça, o indivíduo vai ficando infenso a tudo que se refira à condução dos destinos da “pólis” ‒ talvez daí tenha nascido a “fake news” implantada pelos generais de que o militar é um ser apartidário, mas não “apolítico”, como se um conceito pudesse existir sem o outro. Então, como cidadão de segunda classe, o militar tende a terceirizar a direção de seu destino pessoal a uma autoridade. Essa autoridade normalmente é o oficial, e em última análise, um oficial general, comandante de Força.
No Brasil pré-Bolsonaro, esse drama subterrâneo que é a vida militar desenrolava-se de maneira infeliz, mas previsível, controlada, circunscrita a um quadro maior de legalidade e moralidade institucionais.
Eis que surge do pântano nauseabundo do famigerado “centrão” de Brasília, a figura dantesca que mesmerizou meio país em 2018. Em torno dele, como velhas bruxas num sabá frenético, generais, almirantes e brigadeiros destilavam a quem quisesse ouvir suas ideias rasas de segunda mão sobre política, história, democracia… Idosos debutantes no cenário político, estavam ali unicamente como blefe, uma jogada arriscada de marketing. Bolsonaro os tirou de seus porões lôbregos, assim como Lula levou “artistas” para o Planalto. Vemos hoje em que se transformou a cultura nacional. O que se tornarão as Forças Armadas daqui a quinze anos?
Em princípio trataram de manter os interesses lobistas de lado. Não estavam ali, diziam, para beneficiar as FF, mas unicamente para colaborar num “projeto de país”. Na primeira hora o Governo encampou a “reestruturação da carreira” e alavancou os vencimentos dos garotos propaganda da terceira idade ao teto do funcionalismo. Errado? Imoral? Não. A Pátria Mãe já assistiu a maiores torpezas. A questão é que isso foi alcançado às custas da saúde financeira e moral de milhares de veteranos e pensionistas das próprias FFAA.
Eis aí a traição maior. Traiu-se não um ou outro militar de baixa patente. Traiu-se todo um princípio norteador do militarismo, a lealdade. “A obrigação de tratar o subordinado dignamente”, mecanismo legal paternalista segundo o qual o subordinado delega (talvez inconscientemente, mas certamente à força de doutrinação) ao superior a condução dos atos que lhe afetam a própria vida foi violado, sofreu abuso. Aqui a hierarquia serviu-se da disciplina para aviltar a lealdade e com isso falsear toda a realidade. Eis aqui o abuso de poder. Os generais traíram a tropa simplesmente porque detêm o monopólio da disciplina.
Lançou-se então um contingente considerável de veteranos ao debate, inicialmente restrito a pequenos grupos, depois pelas redes sociais, grupos de mensagens, etc. Lenta, mas de modo constante, como um curso d’água em terra seca, os veteranos foram sendo trazidos para essa arena imperiosa do brio ferido, do bolso lesado, do futuro roubado. Não há como voltar atrás. Depois de um ano da grande traição, uma massa crítica está prestes a ser atingida. Apontam-se novos rumos. Meios de representatividade, antes tidos como impossíveis, hoje são realidade. As manifestações de rua do ano passado estabeleceram um marco inédito na história das FFAA (mesmo que sejam apagadas da memória oficial, assim como ocorreu com a Revolta da Chibata ou o Comando dos Sargentos). A representatividade política está às portas.
Neste ano que passou, de especial destaque foi a adesão dos veteranos às redes sociais com finalidade de cobrar resolução do acordo feito entre Senado e Governo. O Twitter tem sido a principal arma usada nessa guerra diária. Todos precisam se voltar para esta praça pública de discussões e cobranças em tempo real. Os políticos sabem que estão sendo assistidos, sabem que estamos cobrando. Mesmo que não respondam, mesmo que não se dobrem. Devemos todos segui-los incansavelmente, assim como eles nos seguem para arrancar nossos votos.
Quantos veteranos elegeram Bolsonaro ou Hélio Lopes? Um milhão? Cem mil? No mínimo mais de dez mil. Imaginemos dez mil tuítes diariamente seguindo e cobrando os políticos… Ficaríamos sempre nos trending topics do Twitter! Nenhum profissional é tão amante da organização como o militar. Apesar das distâncias, podemos nos orientar e reorientar rapidamente. A traição só foi possível porque feita atrás de portas fechadas. Nós não temos o “privilégio” das sombras. Devemos lutar à luz da verdade. O campo de batalha está aberto. As armas estão à disposição. Só faltam os soldados se apresentarem. Seremos capazes?
JB Reis / linktr.ee/veteranistao – Publicado no Portal Militar