Bolsonaro presidente causa orgulho a muitos militares. Sentem-se representados pelo capitão da reserva, posto para fora do serviço ativo por má conduta. Projetam-se nele. Veem-se na Presidência do País. A sociedade agora vê os militares com outros olhos. Não são mais uma subclasse de ogros tacanhos. Agora são conhecidos da imprensa e do grande público. Bolsonaro e seu governo militar resgataram o orgulho do profissional das armas. Fogo e gelo, dois grupos de militares antípodas orbitam esse homem. Um é composto pelos generais “lupinianos”. O outro grupo, por incrível que pareça a qualquer psiquiatra, é formado por muitos veteranos da lacuna!
Desde 1985 postos à margem da nobreza social brasileira, mal pagos, com fama de estúpidos, e obscurecidos pela sombra de um passado negro, os militares da alta cúpula vingaram-se da política que os enxotara de volta aos quartéis. Em 2019 Jair Bolsonaro foi o instrumento dessa vingança, o cavalo de Troia dos generais políticos, que já há muito não eram mais soldados, mas apenas articuladores de um “putsch frio”. Hoje, há mais de 6000 militares espalhados pela administração federal em cargos os mais diversos. Se isso não é um ataque em modo blitzkrieg contra o Estado brasileiro, o que mais pode ser?!
Talvez por serem acostumados a nada conseguir dos governos anteriores, os generais miserentos criaram um jogo de cena pirotécnico chamado “reestruturação da carreira”, e usando dos recursos da máquina pública a que só eles tinham acesso, em flagrante prevaricação, aumentaram o próprio salário. Mas desastradamente – ou intencionalmente!? – torceram vários dispositivos legais e, tripudiando de milhares de veteranos – maioria esmagadora de suboficiais e sargentos – criaram uma insanidade chamada “lacuna”, um termo que surgiu quando se detectou que os veteranos de 2001 a 2019 foram financeiramente jogados para debaixo do tapete da história, tendo sido rebaixados uma ou duas graduações na carreira por conta de uma diferença salarial de quase R$2.000. Damos aqui os parabéns ao “seu” Jair por ter inaugurado o primeiro caso de rebaixamento em massa na carreira militar…
Diz-se que a vida castrense, devido a peculiaridades da profissão, abduz certas capacidades normais dos indivíduos que viveram muito tempo bitolados. Talvez isso seja exagero, mas é possível identificar casos em que, sim, algumas capacidades de defesa mental e emocional são embotadas, sufocadas pelo militarismo. Há indivíduos que se doam com mais facilidade ao espírito da subordinação, até o ponto de degenerá-la em submissão servil. Essa depravação mental pode ser um dos sintomas da síndrome de Estocolmo, que é o nome que se dá a uma psicopatologia caracterizada por nutrir o seviciado sentimentos nobres de amizade ou mesmo de amor pelo próprio seviciador.
O termo nasceu quando, em um sequestro na Suécia em 1973, os sequestrados protegeram os sequestradores contra a abordagem policial que resolveria a situação.
Eis que penetramos este mistério insondável que beira a psicopatia, o nosso pobre veterano da lacuna a idolatrar Jair Bolsonaro, o único presidente, e, paroxismo maior, oriundo da caserna, a destruir uma tradição secular e rasgar o estatuto dos militares, extinguindo da noite para o dia a paridade entre ativa e reserva. A polarização político-ideológica em curso no Brasil também atinge os militares. Uns se posicionam contra o governo, outros a favor.
Mas os “habitantes” da lacuna são realmente um caso à parte. Não se sabe se sofrem de um caso severo de síndrome de Estocolmo ou se, com sacrifício da própria consciência, querem ser parte do frenesi bolsonarista que acomete tantos brasileiros encantados pelo ciciar da serpente de língua presa. Somos duros demais em criticá-los? Não têm eles o direito de fazer parte do sonho dourado bolsonarista em que “a cultura será igualmente imperativa ou não será nada!”? Não podem sonhar em ser súditos de um país em que haverá apenas “uma nação, um povo, um líder”? Somos assim tão amargos ao desfazer o sonho infantil bolsonarista de um governo em que não haverá corrupção porque o líder, quer dizer, o presidente assim diz, e você tem que acreditar, porque ele foi ungido por religiosos petralhas?
Lamentamos. Não é só pelo dinheiro. Seria menos doloroso se fosse. É também pela total desfaçatez desse governo recheado de hipocrisia fardada, pela falta de amor próprio de muitos veteranos e, mais revoltante ainda, pela falta de amor à verdade e à justiça das leis militares. Acusamos os bolsonaristas da lacuna, porque eles denigrem, mancham, emporcalham toda a família militar e os que são dignos de se chamarem soldados.
Aviltam-se por promessas quiméricas que estão se desfazendo diante da realidade, como o vampiro que se pulveriza à luz do sol. E fazendo isso, defendendo com unhas e dentes o próprio sequestrador, jogam na lama da história toda uma categoria de militares inteligentes e honrados, que perseveram para que a justiça seja restaurada para todos, inclusive para os sequestrados.
JB Reis
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