A extrema-esquerda está estendendo a mão aos militares “órfãos” da extrema-direita. Aceitarão!?
No folclore brasileiro existe uma história sobre um sapo cururu, bem feio e cascudo, daqueles que a gente confunde com pedra, que amodorrava numa moita, quando de repente um calmo e gigantesco zebu que pastava por ali marretou a pata dianteira bem em cima do sapão. Ficou o ser abjeto ali naquela situação morre não morre, sem possibilidade de se mover, totalmente dependente da boa vontade do monstro, que lhe oprimia a respiração, para continuar a viver. Mas, como era muito orgulhoso, o sapo não se dignou a pedir ao boi – calmo que só ele – para que tão somente movesse levemente a poderosa perna, para que o anfíbio saltasse da morte que se avizinhava. Eis que chegou o vaqueiro. Testemunhando a agrura do sapo, de olhos esbugalhados, esfalfando-se, roxo, e tomado pelo desespero da morte iminente, o homem, bastante cínico, mas com o riso contido, perguntou “o que faz aí, mestre Sapo!?”, ao que o Sapo, que antes de tudo era um renomado orgulhoso, fingindo autocontrole, retrucou “estou aqui segurando para ti esta besta para que não fuja”.
(Recontado do livro “Fábulas Sertanejas”, de Gustavo Barroso)
Em linhas gerais, e dentro do que permite nossa ignorância sobre política e sociologia, as eleições de 2022 deixaram algumas lições importantes para o pessoal da reserva 2001-2019 (principalmente FAB e MB), seus dependentes e pensionistas.
Desde que a saga da reestruturação da carreira militar começou em 2019, vimos na prática que a cúpula hierárquica, principalmente os oficiais generais, seguiram à risca o mandamento “o militar não é apolítico, mas sim apartidário”. As velhas raposas de pijama trilharam com maestria esse caminho. Foram realmente apartidários, mas não no sentido que o mandamento comanda. Cínicos como são, falam uma coisa, pensam outra e fazem uma terceira. Nenhuma novidade. Clausewitz, Maquiavel, Sun Tzu, Mazarin são seus livros de cabeceira. Foram apartidários no sentido de pular feito perereca de uma pântano político a outro. Fizeram acordos com a direita e com o centro. Rifaram a reputação das Forças Armadas aos parlamentares que quisessem passear de avião, que quisessem tomar “café com tiro”, que precisassem de vagas (sem concurso público) em colégios militares. Almoçaram com petistas, “deitaram-se” com comunistas para aumentar o próprio salário e forçaram a publicação de uma lei elitista e excludente que prejudicou milhares de militares de baixa patente. Tudo isso está documentado. Tudo isso está gravado na infosfera para a posteridade. E, sempre bom não esquecer, tudo feito em nome de Deus, segundo o lema de campanha em 2018.
O Rio de Janeiro, que é o termômetro político do país, tem dezenas de milhares de militares das Forças Armadas, mas nenhum praça foi eleito. Se até agora tínhamos um governo sem palavra, que se recusa a reconhecer a quebra de hierarquia materializada pela Lei 13.954/19; se tínhamos a cúpula de oficiais birrentos e mesquinhos, que se recusam a admitir que houve um acordo com o Senado e que, sim, milhares de militares foram excluídos dos benefícios que deveriam ser de todos; se havia uma monumental dificuldade de acesso ao coração do Legislativo; agora, além de tudo isso, haverá um general e um coronel da FAB na Câmara Alta; dois generais e um subtenente indigno de confiança na Câmara Baixa e toda a bancada de deputados biônicos afinados com o atual Presidente. Todos, absolutamente todos eles, aberta ou veladamente, contra qualquer proposta de mudança na reestruturação da carreira.
Em 2021, o deputado Glauber Braga surpreendeu a muitos ao colocar os comandantes militares na parede. Numa comissão no Parlamento, questionou os abusos e o tratamento desigual entre militares de mesma graduação pela nova previdência militar, e cobrou o fato de que parcelas significativas da reserva e pensionistas teriam sido traídas pelo governo atual. Em 2022, em outra oportunidade, o mesmo deputado discutiu com um general “bolsonarista” sobre o mesmo tema. Finalmente, apesar do nosso orgulho anfíbio e da nossa crônica síndrome de Estocolmo, um pequeno grupo representando a Família Militar declarou apoio político ao deputado Glauber no Rio de Janeiro.
Uma encruzilhada se aproxima. Até mesmo historicamente as camadas militares subalternas sempre foram mais inclinadas à esquerda política. O atual ordenamento legal discriminatório, que enfraqueceu o vínculo moral entre a base e o topo da hierarquia, criou uma fenda financeira entre militares de mesmo nível hierárquico, inadvertidamente fortalecendo um vácuo ideológico, que sempre foi latente em grande parte da suboficialidade.
O que se apresenta aos milhares de militares descartados pelo governo é a saída pela esquerda, seja por pragmatismo, seja por inclinação política. A extrema-esquerda está estendendo a mão aos órfãos da extrema-direita. Como o sapo orgulhoso da fábula sertaneja podem meramente acenar a quem os reconhece como cidadãos dignos ou permanecer massacrados por suas convicções e preconceitos bovinos.
Texto de colaborador: JB Reis
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