“Os que foram prejudicados injustamente pela nova legislação e eram bolsonaristas dividiram-se em dois grupos: os que sofrem, mas fingem que está tudo bem; e os que não querem saber de fingimento, e abandonaram o comportamento “bolsoafetivo”.
“Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.”
(Apocalipse 3:16)
A era Bolsonaro trouxe para a Família Militar algo até então desconhecido por seus componentes. Após a reestruturação da carreira, combinada com o assalto às pensionistas, criou-se uma fratura nesse corpo coletivo que até então, se não era exatamente miscigenado, era pelo menos unido. Havia sim a justaposição estamental de oficiais e praças, que, apesar de serem compulsados a agir em conjunto, como água e óleo, jamais se misturam. Havia uma sinergia fluida entre ativa e reserva, sendo uma o consequente moral da outra. Mas como era de se esperar, o racha causado pela reforma da carreira estendeu-se às preferências políticas. Os que foram prejudicados injustamente pela nova legislação e eram bolsonaristas dividiram-se em dois grupos: os que sofrem, mas fingem que está tudo bem; e os que não querem saber de fingimento, e abandonaram o comportamento “bolsoafetivo”. Os que não foram prejudicados diluíram-se entre aqueles que entregaram seus corações e mentes ao Comandante Supremo, abstendo-se de pensar por conta própria e negando-se a ver o que ele causou às Forças Armadas. Vida longa aos que foram tocados pela mão do “mito”! Porém, entre os que sofrem, calados ou não, esconde-se o pior dos inimigos, o bolsonarista de armário.
A partir da promulgação da Lei 13.954 em 2019, os desiguais se apartaram. Nos casos em que o fanatismo falava mais alto do que a razão, antigas amizades se desfizeram. No polo oposto, inimizades dormentes animaram-se de um ódio virulento, meio de condução preferido dos cismas ideológicos. Lamentável? Sim, sem dúvida. Os muros da caserna ‒ e aqui nos referimos não apenas às organizações militares, mas também à mentalidade militar ‒ que eram a última fronteira de penetração do embate político, foram abertos, escancarados a quantos oportunistas profissionais queiram fazer desse “ambiente” sua colônia de parasitismo. Exemplo prático!? Um certo general deputado, há alguns dias veio a público pedir votos para se reeleger. Prometeu algo que não pode e nem quer dar, haja vista que em 2019 poderia ter dado e não quis. No passado classificou os veteranos de “retrovisores”, e agora volta, com sorriso “colgate”, pedindo votos a espectros desfigurados por um espelho que ele ajudou a quebrar.
Inescapável destino dos que foram desagregados, cada um desses cacos que formavam um todo coeso, e que ficaram de fora da nova ordem, foram se reunindo em torno de ideias afins, em incipientes células “político-ideológicas”. Pela extensão do território era impraticável reunir presencialmente todos os militares prejudicados. Redes sociais e grupos de mensagens telefônicas foram a solução. A partir daí, de telefone em telefone, os interessados em buscar maneiras de reverter a situação foram chegando espontaneamente, sem o desgaste do inútil convencimento político. Muito ruído seria evitado dessa forma. Urgia delimitar uma origem e um destino. Quem foi o causador da desagregação? Quem era o único que poderia, se quisesse, restaurar a antiga união perdida entre os militares? Quem criara os novos párias da reserva, financeiramente rebaixados por uma meritocracia de palanque? Inflexíveis, essas linhas obviamente apontavam para o único responsável. Tudo começa e tudo termina com Bolsonaro. Não há meios-termos. Não é possível relativizar os fatos. Não é possível pôr panos quentes… exceto para o bolsonarista de armário.
Conforme o tempo foi passando, mesmo nos grupos de prejudicados, foram surgindo aqui e ali vozes destoantes, resmungos quase inaudíveis, ponderações entre dentes. Como uma maçã podre ou uma doença insidiosa, alguns começaram a tentar perverter a realidade, e consequentemente a diluir a responsabilidade de Bolsonaro. Valendo-se de uma postura supostamente tecnicista, essas vozes, ou cicios, como preferir o leitor, insistiam em que se deveria abster-se da crítica política ao Governo e concentrar-se na pura crítica à Lei 13.954. Em outras palavras, segundo esses que se gabam de não serem A nem B, de não serem “frios nem quentes”, os “em-cima-do-muristas”, o Governo teria seus pontos positivos e não deveria ser criticado nos grupos. Porém, a falha dessa propaganda suspeita está no fato de que Bolsonaro e os artífices da reestruturação, quando traíram a Família Militar, agiram como elementos de governo em franca afronta ao Estado brasileiro. Corrupção não é só roubo de dinheiro. Existe também a corrupção moral. O que o governo Bolsonaro causou aos veteranos e às pensionistas excedeu a questão financeira, excedeu a questão do prejuízo pessoal. A afronta foi a um princípio de hierarquia que não pode ser relevado sob nenhum pretexto. A declaração de Bolsonaro de que “seria bom” jogar as Forças Armadas na vala comum do INSS é indício forte de que ele usa o governo, que é provisório e eleito democraticamente para minar uma instituição de Estado. A reestruturação da carreira militar é a prova cabal disso, e a Lei 13.954, o primeiro passo desse plano.
Esses que se orgulham de ser isentos, que condenam o debate político, que falsamente primam pela “higienização dos grupos”, sabotando o fluir democrático das opiniões… esses estão, atenção a isso, fazendo exatamente o que o Governo quer, isto é, sufocar todos os veteranos. Onde não há debate, onde não há discussão, onde o discurso é monocórdico e tecnocrático, não há vida, não há transparência, não é possível contrastar pontos de vista. E assim não se dá um passo, o diálogo morre, o tempo passa, e as portas se fecham. Nosso alerta vai principalmente aos administradores de grupos de mensagem e redes sociais direcionados aos militares. O bolsonarista roxo não é o inimigo. Tendo razão ou não, ele é sincero, joga limpo com as cartas na mesa, mesmo que sejam cartas marcadas. Mas o elemento desagregador, manhoso, indigno de confiança e assaz perigoso, porque é interno, é o bolsonarista de armário. Este é o verdadeiro inimigo.
JB Reis
https://linktr.ee/veteranistao