“O amor como princípio e a ordem como base; o progresso como meta.”
(Auguste Comte)
A Vexilologia – o estudo da história e do simbolismo das bandeiras – é uma disciplina auxiliar das ciências sociais. A bandeira mais antiga do mundo ainda em uso é a da Dinamarca. É tão velha – é a mesma desde o século XIII – que tem até um nome. É conhecida como Dannebrog ou “pano dinamarquês”. O uso prático das bandeiras remonta à Idade Média, quando os exércitos aliados, para não se confundirem uns com os outros – evitando assim o temido “fogo amigo” -, usavam um pedaço de pano hasteado num estandarte com as cores e sinais de identificação do batalhão ou companhia envolvidos em batalha.
A bandeira brasileira foi criada pelo Decreto nº 4, de 19 de novembro de 1889 e é definida pela Lei n° 5.700, de 1º de setembro de 1971 como um dos símbolos nacionais ao lado do Hino, das Armas e do Selo Nacionais. O art. 10° dessa mesma Lei diz que a “Bandeira Nacional pode ser usada em todas as manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros, de caráter oficial ou particular.” Mas, o que realmente é um símbolo!?
Sem pretender esgotar o assunto, e apenas para fundamentar esta humilde digressão, um símbolo é uma subdivisão daquilo que se chama de signo. Algo material, visual, geralmente em duas dimensões e que é usado em lugar de outra coisa. Esta outra coisa em geral é excessivamente complexa e requer um representante que, conquanto a reduza, diminuindo-lhe a riqueza original, possa rapidamente fazer referência a ela, possa remeter a ela. A bandeira brasileira, portanto, é um símbolo de tudo o que o Brasil é e contém. Seu povo com todos os seus tipos originais e os que se lhe acrescentaram ao longo do tempo, sua história, sua honra passada, sua glória futura, sua cultura, a multiplicidade de visões tão numerosas quanto são as estrelas no céu central do pavilhão nacional. O Brasil é um gigante monolítico. Na constelação das nações do Cone Sul, só o Brasil não se fragmentou como seus vizinhos hispano-americanos. Manter essa unidade, quando o mais natural e conveniente era a secessão, não deve ter sido tarefa fácil. O que pensar, portanto, do bordão “meu partido é o Brasil”?
A frase “meu partido é o Brasil” não foi propriamente o slogan de campanha da extrema direita brasileira – como se sabe, usou-se o brado da Brigada paraquedista “Brasil acima de tudo” “contrabandeado” do EB via “partido” militar – mas é inegável que essa pequena oração inconsequente orbita na subcultura dos eleitores do atual candidato à reeleição. Além de ser uma frase incoerente, que mistura elementos que não deveriam jamais se aproximar, quais sejam, política e nação, a ideia de se aventar um “partido brasileiro” é também politicamente perigosa.
O conceito mais chão de partido político é o de ser uma organização de direito privado formado por pessoas com afinidades ideológicas e visando à disputa do poder político. Um partido é algo essencialmente fragmentado. Não pode haver um partido A, se não há, no mínimo, um partido B para se lhe opor no plano das ideias, fiscalizar-lhe as ações no plano da governança, e possibilitar a oxigenação salutar da democracia pela alternância regular de seus representantes. Coisa ridícula, por exemplo, é o PCC (Partido Comunista Cubano), que é um partido único (uma cínica contradição em termos). Mas, por que “meu partido é o Brasil” não soa estranho para dizer o mínimo?
Afirmar que “meu partido é o Brasil” pode significar uma montanha de ignorância vertida em palavras ocas ou pode ser um direcionamento ideológico. Não podemos ser ingênuos nem arrogantes de atribuir à política profissional desconhecimento sobre esses temas. Dizer que um país é um partido sinaliza que há como pano de fundo uma ideia implícita de exclusão. Ora, pode ser impossível “partir” um país, mas não é impossível “partir” um povo. Não é impossível, e pode até mesmo ser objetivo de alguns, que haja uma fissão ideológica tão pronunciada que possa descambar para uma fratura social. A confusão induzida pode ser o fluido desse motor.
O TRE-RS decidiu em julho deste ano que o uso da bandeira do Brasil não configura campanha eleitoral. Correta a decisão? Já vimos o que significa uma bandeira. Mas, o que fica em evidência não é a política, a propaganda ou as instituições falhas, o que salta aos olhos é a mistura cínica, imprópria e abusiva de todos esses instrumentos com o único fito, objetivo de qualquer partido político, de alcançar o poder.
Quando um partido coopta a bandeira do país e a usa como sua, está automaticamente burlando a regra básica do jogo político, qual seja, está agindo no universo da propaganda como se fosse um partido único, pois não existe símbolo mais entranhado na psique do povo do que a bandeira nacional desse povo. O cidadão comum que não almeja de maneira partidária tomar o poder governamental para si ou para os seus, pode e deve usar a bandeira dentro do que prevê a legislação, mas uma entidade partidária sedenta de poder jamais poderia fazer uso político de um símbolo que imageticamente não tem rival na percepção popular. A justiça eleitoral, que tinha fama de ser a única que funcionava, dormiu no ponto em 2018. Agora já é tarde…
Do ponto de vista da semiótica, da absorção rápida e subconsciente da informação gráfica há um enorme desequilíbrio a favor de quem “roubou” a bandeira brasileira. Basta lembrar que a cruz suástica nazista é proibida em diversos países do mundo, e isso se deve não só àquilo que ela remete, mas também ao poder que sua imagem exerce no subconsciente. Quem for contra as ideias da extrema-direita será inconscientemente antibrasileiro? Quem não usa verde e amarelo é automaticamente um globalista? Serão indignos de comungar da “pátria” recém “resgatada” pelos radicais de direita? E se, aos olhos desses radicais, forem “indignos”, merecerão alguma “correção”?
Aos que, embevecidos, iludem-se com o discurso pseudopatriótico de políticos militarizados saibam que tão facilmente como eles se mantiveram nas sombras por décadas assistindo ao Brasil chegar à beira do abismo para então surgir como a mão salvadora, muito mais facilmente podem entregar alma e corpo da Nação a quem pagar mais. O Brasil não é um partido, exceto para os ignorantes ou para seus inimigos. E a Bandeira é de TODOS.
JB Reis
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