“Nas lutas políticas, o Exército não deve passar do grande mudo – condição essencial de sua coesão e eficiência e até mesmo de sua existência como instituição. Sua verdadeira e única política é a preparação para a guerra.”
Góes Monteiro
Já ultrapassou o mero terreno da especulação que a imagem das Forças Armadas foi atirada à sarjeta. A lenta e difícil reconstrução das instituições militares federais como órgãos isentos ideologicamente, neutros politicamente e como o derradeiro bastião da moralidade pública foi destroçada. Mesmo o país tendo sido refém de vinte anos de ditadura militar, em menos de três anos, um homem, não um exército bem treinado ou uma mídia conspiradora… não, apenas um homem fez o que nos trinta anos de redemocratização, nem os comunistas mais raivosos conseguiram. Jair Messias Bolsonaro é o único responsável pela desmoralização das Forças Armadas Brasileiras.
Aparentemente desprovido de qualquer estratégia política, o ex-capitão assumiu a cadeira presidencial atacando a tudo e a todos. Avesso a meios-termos, fez da afronta sua práxis e do deboche irresponsável seu carisma. Obviamente quando o lobo uiva, os chacais se encarniçam. Sem maiores dotes intelectuais, nada mais que um parasita político de fundo de plenário, usou a única parte de seu passado que tinha lastro com alguma moralidade como plataforma: a caserna. Insuflado por uma alcateia de oficiais generais (leia-se politiqueiros fardados), servindo-se das cinzas que restaram de um país dilapidado por quinze anos de esquerda, Bolsonaro construiu sua escalada até a Presidência, escoltado por um pequeno exército, que hoje conta com mais de seis mil militares pulverizados pela Administração Federal.
O candidato Bolsonaro alardeou inúmeras reformas inadiáveis durante a campanha presidencial. Depois que venceu de forma apertada as eleições, a primeiríssima e até agora única reforma feita foi a previdenciária. Por quê?! É fácil ver hoje que ele queria pagar adiantado a “proteção” que pretendia da cúpula militar. Esta, por sua vez, muito mais amante do dinheiro fácil do que das virtudes militares de honra e camaradagem, fez carga máxima no Congresso Nacional em 2019 e conseguiu, apesar da resistência corajosa de muitos veteranos de baixa patente – hoje deixados para trás por suas respectivas Forças – , a poder de bajulações e conluios espúrios, ser alçada ao teto do funcionalismo público. Hoje um general que esteja diretamente no governo recebe cerca de quarenta e cinco mil reais. O patriotismo dos generais tem lá o seu preço…
Após patrocinar a renúncia conjunta dos três comandantes militares, fato inédito na história militar brasileira, recentemente o grande líder deu azo a que um senador da República destilasse seu veneno contra as até então insuspeitas instituições militares. Atiçados pelo Presidente, e fazendo o seu jogo político, os três comandantes – todos com os bolsos devidamente recheados – emitiram uma nota conjunta dizendo que as Forças “não aceitarão ataques” já que “defendem a democracia e a liberdade”. É muito surreal cruzar essa afirmação com vinte anos de torturas, exílios, censura, e ver quão triste e paradoxal é um povo delegar a manutenção de sua liberdade a uma classe armada. A nota persiste no canto da medusa, insinuando a estapafúrdia arenga de que as Forças Armadas seriam um poder garantidor da estabilidade do país! Até quando o brasileiro será refém de “instituições” ideais, de parlamentos rotos e quartéis obscuros? Saldo dessa literatura de cordel? Para os oficiais o céu é o limite, para a tropa o vexame…
Realmente não há santos nesse inferno. Ouvir críticas acerbas de políticos de má fama não agrada a ninguém, mas é no mínimo estranho terem os comandantes das Forças Armadas se inflamado contra a fala do Senador de língua afiada, já que ele foi condecorado três vezes por essas mesmas instituições (!) com a Ordem de Grande Oficial! O Brasil é um mundo à parte na comunidade de nações…
Não defendemos pessoas públicas aqui. Elas sabem fazer isso muito bem e têm os meios bancados pelo nosso dinheiro para fazê-lo, mas o Senador não atacou as Forças Armadas indistintamente, pelo contrário, ressalvou os “bons militares”, e referiu-se a uma suposta “banda podre” que “está na mídia”. Ora, sabemos quem são. Lugar de soldado é no quartel. Isso é basilar. A farda mais do que instrumento coercitivo estatal é também proteção para o indivíduo que a usa. Quando ele a põe de lado, e segue por caminhos tortuosos, estranhos à atividade castrense, fá-lo por sua conta e risco, e a instituição como um todo vira telhado de vidro.
Agente cego do Apocalipse, Bolsonaro está fazendo o favor de brindar o povo brasileiro com mais uma desilusão. Os militares agora estão sob escrutínio constante. O mito da caserna como guardião da moralidade está sendo posto à prova. Desde a reabertura política os militares aprenderam a viver com pouco, como sói acontecer com os defensores da pátria. Nunca ergueram a voz contra qualquer desmando dos representantes do povo. Sempre foram obedientes e estóicos. Um capitão indisciplinado, um mau militar, há trinta anos foi a única mácula nessa história de renúncias, mas de dever cumprido (ganhando bem ou mal). Hoje, este homem, com um palanque e um Iphone está conseguindo distorcer tanto a realidade em torno de si que já há pessoas inteligentes que clamam pela ruptura da ordem constitucional. O que querem em seu lugar? Nada, apenas instaurar a dinastia da boçalidade.
JB Reis
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