Por que o departamento de ensino da Força endossa tamanha afronta à língua mãe dos brasileiros?
“Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura”
Olavo Bilac, patrono do serviço militar obrigatório
Matéria recente publicada pela Revista Sociedade Militar trouxe o tema de redação aplicada aos candidatos a oficial da FAB. Tratava-se da “linguagem neutra”. Como a veiculação foi meramente informativa, achamos por bem suprir a lacuna com alguns arabescos grotescos.
No início da Criação havia um único “idioma”. Não era propriamente uma linguagem como nós imaginamos. Era mais uma vibração subjacente na origem de todos os outros idiomas. Este idioma se chama Irdin. “Não há meios externos de ensiná-lo e tampouco se pode aprendê-lo movido pela curiosidade, ambição ou desejo de conhecimento.” Um outro idioma, chamado de Senzar, muito anterior ao sânscrito, foi ensinado diretamente pelos devas planetários (na literatura cristã e muçulmana são chamados de arcanjos) e pelas consciências supraterrestres que visitavam a Terra aos iniciados das grandes raças e civilizações. Síntese da relação entre o homem e os meios de comunicação (basicamente a linguagem – não necessariamente falada – é nada mais do que um meio de comunicação), o mito judaico da Torre de Babel é a versão popularizada da epopeia da comunicação humana.
O sonho de se comunicar de forma igualitária, sem nenhum tipo de prevalências étnicas, sociais ou ideológicas, sempre foi acalentado pela humanidade. Em 1887 o médico polonês Dr. Ludwik Lejzer Zamenhof criou o Esperanto. Idioma aglutinante e totalmente fonético, a língua Internacional, assim batizada por seu criador, aspirava ser não um idioma único para todos os homens, mas uma interface, uma chave comum de comunicação, uma segunda língua. Devido a sua inacreditável regularidade e simplicidade (tem apenas 16 (!) regras sem exceção!) um estudante dedicado pode ser razoavelmente fluente em Esperanto em menos de 6 meses. Diz-se que o idioma tem considerável efeito propedêutico, isto é, esperantistas têm muito mais facilidade para aprender outros idiomas nacionais. É a língua planejada mais falada da história. Estima-se que os falantes fluentes giram entre 100.000 e 2 milhões e os nativos – que nasceram falando o idioma ensinado pelos pais – estão atualmente em quase dois mil.
Uma ideia extremamente distorcida de língua artificial foi exposta no livro de George Orwell, a famosa distopia “1984”. No livro o partido fascista único do Grande Irmão tem um departamento que trata da “novilíngua” (em algumas edições “novafala”). Há um apêndice do autor sobre o assunto. Importa salientar que (e aqui podemos ter certeza de que quem elaborou as provas da FAB ou nunca leu Orwell, ou – e é terrível pensar que um servidor estatal esteja alinhado com esse tipo de pensamento – leu e aprovou) “o objetivo da Novafala não era somente fornecer um meio de expressão compatível com a visão de mundo e os hábitos mentais dos adeptos do Socing, mas também inviabilizar todas as outras formas de pensamento.” [“Socing” é o socialismo inglês, tudo pelo Estado, nada fora do Estado.] “A ideia era que, uma vez definitivamente adotada a Novafala e esquecida a Velhafala, um pensamento herege — isto é, um pensamento que divergisse dos princípios do Socing — fosse literalmente impensável, ao menos na medida em que pensamentos dependem de palavras para ser formulados.” “Vejamos um exemplo. A palavra “livre” continuava a existir em Novafala, porém só podia ser empregada em sentenças como: “O caminho está “livre” ou: “O toalete está livre”. Não podia ser usada no velho sentido de “politicamente livre” ou “intelectualmente livre”, pois as liberdades políticas e intelectuais já não existiam nem como conceitos, não sendo, portanto, passíveis de ser nomeadas.” “A Novafala foi concebida não para ampliar, e sim restringir os limites do pensamento.”
Após essa breve contextualização, voltamos ao tema de redação oferecido pela FAB, que foi embasado num texto escrito no Jornal da USP. O artigo trata da modificação artificial da língua portuguesa como coisa louvável e fruto de supostas necessidades sociológicas (Socing, lembra!?). O grande subterfúgio para “evoluir” o português segundo os defensores dessa novlíngua é a inclusividade a qualquer custo, inclusive com o sacrifício da boa língua. Até aí, tudo (mais ou menos) bem. Sabemos que a “academia” brasileira de há muito “desbundou-se”. Em se tratando das áreas de humanas, salvo raras flores, o que impera é um ambiente delirante e indigno de ser chamado de universidade. Não vamos descer a esse submundo, pois a decadência da intelligentsia nacional (se é que isso existe!) é pública e notória, e envergonha até os curiosos.
Mas o inusitado da coisa salta aos olhos quando a Força Aérea, braço armado do Estado, um órgão militar de um governo autodeclarado conservador, mostra-se enamorada, encantada, convencida por tal tipo de aberração “pós-modernosa” – que, veremos adiante, nada tem de novo – a ponto de avalizar semelhante imbecilidade – que nada tem de sério idiotismo – como teoria respeitável e (inescapável consequência lógica) levando a crer que tal ideologia estaria afinada com os padrões militares do governo Bolsonaro (!). Segundo os defensores da linguagem neutra, a justificativa maior para que tais devaneios sejam implementados como política pública, isto é, que se mude a língua via Estado, via coerção, via violência estatal, é “tornar a língua portuguesa inclusiva para pessoas transexuais, travestis, não-binárias, intersexo ou que não se sintam abrangidas pelo uso do masculino genérico”.
O distópico “1984” parece estar se cumprindo. A implementação de tais reformas idiomáticas bizarras seria talvez um primeiro passo para um controle insidioso da sociedade vindo de dentro para fora. O cavalo de Troia do politicamente correto já está moldando o pensamento de muitos, principalmente da chamada geração millenial. Os mais jovens parecem falar outra língua, mesmo sendo o velho português.
Segundo o site do Inaf – Indicador de Alfabetismo Funcional – no Brasil, apenas 8% têm plenas condições de compreender e se expressar. O português é um idioma belíssimo (última flor do Lácio), mas dificílimo, mesmo para os nativos. Tem mais de 10.000 verbos, que, se conjugados, eleva este número para outras centenas de milhares, cada uma diferente da outra. As reformas ortográficas são tímidas e impotentes diante de uma Academia tacanha que parece se divertir com o tormento dos lusófonos e mais ainda com o sofrimento de qualquer estrangeiro que se atreva a tentar aprender a língua. Para turvar águas que já eram profundas aparece a sandice da língua neutra que mistura comportamento com controle de pensamento, planejando tornar a língua portuguesa ainda mais abstrusa. Como é possível se falar em educação de qualidade neste país, se o próprio Estado (no nosso caso, via Forças Armadas) sabota essa área tão sensível do saber?..
Da linguagem única dos anjos, passando pela “babelização” dos idiomas nacionais ao sonho dos idiomas artificiais e às distopias dos códigos de conduta fascistas, o objetivo de sempre dos revolucionários incansáveis de todas as épocas é o controle do homem. Seja a capacidade de pensar, seja a de falar como bem entender. Trata-se sempre de um maior controle. Profissionalmente tendente a um controle sempre mais eficiente, o militar pode ingenuamente ser atraído por essas bizarrices com ares de alta ciência, como a linguagem neutra, objetivando um controle mais refinado do pensamento. Porque o departamento de ensino da Força Aérea achou por bem dar mais uma volta no parafuso que tortura o nosso idioma, não sabemos. O ocorrido serve pelo menos para desiludir a muitos e mostrar que as Forças Armadas não são tão conservadoras como pensávamos. Parece que os valores militares quanto ao tratamento dado à língua Pátria afinal não são mais aqueles…
JB Reis
Referências:
“Todes” os novos oficiais da FAB têm que saber tudo sobre LINGUAGEM INCLUSIVA
https://pt.wikipedia.org/wiki/Esperanto
https://lelivros.love/book/baixar-1984-edicao-especial-george-orwell-em-pdf-epub-mobi-ou-ler-online/