A Voz dos invisíveis
Jair Bolsonaro está longe de ser um estadista. Aliás, ele está longe de muita coisa… Alçado ao cargo máximo da Nação por uma campanha política ilusória, que o pintou como o candidato antiglobalista do Cone Sul, ele está se revelando ser tudo, menos o tão esperado messias da pífia direita brasileira. Porém, ele agora tem um motivo para ter seu nome escrito nos livros de história. As manifestações que estão ocorrendo neste momento em Brasília, motivadas pela trama sórdida (ou talvez apenas mais uma das numerosas trapalhadas do governo federal!?), que premiou os generais do “mito” com 73% de aumento de salário, em plena pandemia chinesa, devem ser um ponto de inflexão inaudito na história política dos militares.
Já é parte do folclore brasileiro que o político profissional é especialista em “duplilinguismo”, isto é, falar uma coisa e pensar outra. É uma arte isso. As pessoas honestas e sinceras precisam se esforçar para dominar essa técnica. Bolsonaro deve ser um exímio duplipensador, já que durante trinta anos afirmou com veemência virulenta que o salário dos militares era vergonhoso, indigno da carreira, etc. Tão logo teve a oportunidade única na história recente de honrar o discurso, o que o capitão fez!? Assinou uma lei que reduziu o salário do pessoal de base das Forças Armadas (justamente seus fiéis eleitores) e encheu a burra dos generais, almirantes e brigadeiros, para que estes possam, pobrezinhos, atingir o teto salarial do funcionalismo, e irem felizes para seus sarcófagos ganhando mais de R$ 312 mil (trezentos e doze mil reais por ano), no mínimo.
Mas não contavam os bravos senhores da guerra que não estamos em 1963. Naquele ano, os sargentos das Forças Armadas, que pelejavam pelo direito de serem elegíveis para cargos políticos, optaram por pegar em armas. Há historiadores, como Paulo Eduardo Castello Parucker, – cujo livro “Praças em pé de guerra” conta essa saga fugaz dos suboficiais e sargentos – que conecta o movimento político das praças graduadas de 1963 com a tomada do poder pelos generais em 1964. O mote em 2020 é essencialmente uma demanda democrática, mas não estritamente política. Os que se manifestam em Brasília nesta semana pugnam por igualdade de direitos. Uma profunda e dolorosa cisão foi causada nas Forças Armadas. A meritocracia (tratamento igual para com os iguais) sempre foi a mola mestra do militarismo, não foi a Lei 13.954/2019 que a inventou. Pelo contrário, o que a Lei fez, e esperamos que não tenha sido intencionalmente, foi segregar uma parcela da família militar e taxá-la de pária. Os que foram atingidos em cheio pela injustiça e torpeza dessa Lei estão sendo condenados a serem invisíveis. Sem os direitos do passado e sem os benefícios do futuro estão fadados a viver num limbo legal, uma lacuna de injustiça.
Depois de um tímido início em 2019, a aventura dos militares veteranos na seara política parece estar apenas começando. Manifestar indignação publicamente, cobrar resolução de acordos políticos, apontar o dedo para as injustiças causadas pelo próprio governo – que muito antes de serem direitos, são deveres da cidadania plena – nunca mais serão “privilégios” só da população civil. Respeitados os limites legais, os veteranos serão cada vez mais atuantes no cenário político nacional. Não só nas candidaturas a cargos eletivos, mas também no ativismo político, na voz política.
O desprezo e o silêncio dos causadores indiretos dessa nova tomada de consciência por parte das classes subalternas da caserna falam mais alto do que os carros de som e os discursos feitos na Esplanada dos Ministérios. Mas falam muito de um autoritarismo contido. Uma “política” subterrânea e ditatorial que não tolera que o povo (representados pelos sargentos) questionem a ordem oficial. É uma questão de princípios. O Governo é democrático, desde que todos estejam democraticamente calados. Um Governo encabeçado por um capitão e um general, mesmo que republicanamente eleitos, não faz do cidadão comum um sargento. Ou faz!? Os brasileiros que escolham melhor os seus candidatos para 2022… Talvez não saibam o que fazem, mas certamente não serão perdoados pela História.
De Brasília já se ouve a voz dos invisíveis… o que virá depois?
JB Reis (deixando de ser invisível) – Portal Militar